Com a chegada das intermináveis obras para a construção da nova variante à N14, que está a afetar a vida de muitos automobilistas na zona do Castêlo da Maia, reparei que também estão afetar um pouco a paisagem que fez parte da minha juventude mais longínqua, sobretudo na zona dos “terrenos do Campainha” entre Gondim e Santa Maria de Avioso.
O “Campainha” era um grande latifundiário, que foi gerindo o seu património com alguma mestria. Anos antes, com a construção da “Via Diagonal”, outra grande obra, que proporcionou melhores acessibilidades à população local e não só, os “terrenos do Campainha” foram esventrados, oferecendo novas vistas e paisagens.
Um local que nunca vou esquecer, devido à sua estranheza e beleza, é o “Lugar da Bicha-Moura”, uma minifloresta com altíssimas árvores frondosas das mais variadas espécies, divida a meio pela “Via Diagonal”, um lugar fantasmagórico, sobretudo à noite por falta de iluminação pública.
Perto desse fantástico “mundo verde” ao entardecer, um trolha meio alcoolizado que tentava trabalhar ouviu uns gemidos no meio do mato. O homem tentou ver se era alguém a precisar de auxílio, mas em vão, não estava ninguém. No dia seguinte, provavelmente numa tasca, fantasiou o sucedido às pessoas presentes a dizer que tinha visto um ser maravilhoso que era metade de mulher e metade de cobra, era a Bicha-Moura! O rumor espalhou-se pelas terra, suscitando um interesse desmedido pelo local para avistar o tal ser fantástico.
A população estava tão envolvida no acontecimento que até fazia parte da construção narrativa do caso. Havia relatos que a Bicha-Moura comia as galinhas dos moradores vizinhos, havia quem descobrisse a “pia” onde ela bebia e havia quem dissesse que havia encantamentos devido à sua beleza.
Toda a história tem um fim, as pessoas foram perdendo o interesse. A roulotte das farturas deixou de vender porque a romaria ao local estava a desvanecer-se. Rapidamente a Bicha-Moura foi esquecida e o lugar onde ela “viveu” já está destruído. Uma coisa é certa, os gemidos que o trolha ouviu, de fato existiram. Eu cheguei a ouvir quando me dirigiria para casa vindo da escola. Descobri que vinha de um ninho de corujas. As corujas naturalmente na época de acasalamento emitem uns guinchos agudos a que se chama “gritos de mulher”, dai a confusão auditiva do trolha alcoolizado.
Nelson Maia, Março 2020