A vida é mesmo assim, de um momento para o outro tudo muda: as nossas preocupações, os nossos interesses, as nossas ambições e até os nossos comportamentos, individuais e colectivos.
Ainda há poucos meses as nossas preocupações andavam à volta do abrandamento da economia, das consequências da saída do Reino Unido da União Europeia e da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, da crise dos migrantes e das alterações climáticas.
Acompanhávamos com alguma atenção os tumultos em Hong Kong, as primárias para as eleições presidenciais nos Estados Unidos e uma epidemia provocada por um vírus que surgia na China e que tinha colocado uma cidade inteira de quarentena…
Até que essa epidemia, lá da longínqua cidade de Wuhan, chegou à Europa, com forte incidência na Itália, provocando não só um elevado número de pessoas infectadas, como também de vítimas mortais.
E perante mais de 118 mil casos em 114 países e 4.291 mortes confirmadas, a Organização Mundial de Saúde acabou por declarar a denominada “Covid-19” como uma pandemia. O que fez no passado dia 11 de Março.
Entretanto o “coronavírus” foi-se propagando a grande velocidade, designadamente por entre diversos países europeus, de tal forma que poucos dias depois, a própria OMS avisava que o principal foco de contaminação estava agora precisamente na Europa.
Com efeito, na passada segunda-feira, dia 16, a Itália já registava 27.980 casos de pessoas infectadas com a “Covid-19” e 2.158 mortes, a Espanha 9.942 casos e 342 mortes, a Alemanha 6.924 casos e 14 mortes, a França 5.423 casos e 127 mortes, o Reino Unido 1.543 casos e 35 mortes, a Holanda 1.413 casos e 24 mortes, e a Suíça 2.221 casos e 18 mortes.
Portugal, que apenas tinha registado a primeira pessoa infectada pelo novo “coronavírus” no dia 2 de Março, no mesmo dia 16, ou seja apenas 14 dias depois, já registava 331 casos de pessoas com a “Covid-19” e 1 vítima mortal.
Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos contabilizavam também pela mesma altura, 4.039 casos e 70 mortes.
Pelo meio, e no sentido de travarem a propagação da “Covid-19”, diversos países, um pouco por todo o mundo, fecham as suas fronteiras, declaram o estado de alerta e de emergência nacional, sugerem e impõem aos seus cidadãos uma espécie de recolhimento em casa, tipo quarentena voluntária ou obrigatória, conforme os casos, e restringem mesmo a sua permanência em espaços públicos.
As praças e as ruas parecem desertas. Os serviços públicos são reduzidos aos serviços mínimos e essenciais, e são canceladas ou suspensas grande parte das competições desportivas e mesmo de manifestações culturais e religiosas. Os estabelecimentos comerciais subsistem apenas para o essencial e a produção industrial cai de forma acentuada. As quedas nas Bolsas atingem mesmo níveis históricos. Apenas os laboratórios, na busca de uma “vacina milagrosa”, trabalham a todo o vapor. E obviamente, os hospitais das regiões mais afectadas.
O cenário é de guerra, contra um inimigo mais ou menos invisível, mas que consegue ser fortemente assustador e até letal.
Uma boa parte das pessoas vive atormentada, com medo, desconfiada dos seus vizinhos, dos colegas de trabalho e até dos seus amigos. Ninguém sabe ao certo quem está infectado, quem transporta esse inimigo, o dito “coronavírus”, vindo lá da distante China. Obviamente, ninguém quer ficar com a “Covid-19”.
A própria União Europeia, cujo projecto de construção de uma Europa unida e solidária tem reconhecidamente prestado um contributo essencial para a manutenção da paz no espaço europeu nos últimos 70 anos, parece agora meio desorientada perante este inimigo, incapaz de tomar decisões verdadeiramente concertadas, de assumir a liderança da resolução do problema. E obviamente muito desconfortável, perante o encerramento de fronteiras de muitos dos seus Estados-membros, pois assenta uma boa parte do seu caminho na livre circulação de pessoas e bens no interior do seu território. Na verdade, a União Europeia não estava preparada para uma guerra como esta.
Nesta altura, todos os esforços devem ser canalizados para combater a propagação do vírus inimigo, para salvaguardar a saúde e a vida das pessoas. Não pode haver poupança ou descanso na concretização desta missão.
Mas terminada esta guerra, a União Europeia tem todo um trabalho a fazer, que não se pode limitar apenas à reconstrução económica dos seus Estados-membros, no sentido de se reinventar e preparar para desafios como aquele que estamos agora a viver, que ninguém garante que não se possam repetir no futuro.
A globalização e a evolução tecnológica aproximaram muito as pessoas e os territórios, trouxeram muitas e novas oportunidades, mas também trouxeram outros e novos problemas.
Não sei quanto tempo faltará para que o dito “coronavirus” seja totalmente aniquilado e regresse a paz. Mas estou convencido, que depois deste susto, o mundo será algo diferente.
Paulo Ramalho