Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Não teve a maioria dos votos dos eleitores, individualmente considerados, mas venceu na maior parte dos 50 Estados da União e conquistou o maior número de “grandes eleitores”, ou seja, ganhou no decisivo Colégio Eleitoral. Funcionou a democracia, foi respeitada a Constituição americana…
Devo confessar que, com aquela postura algo “negligente e pouco própria”, discurso radical, muitas vezes no limite da ofensa e do insulto, ultra populista, nacionalista, e até por vezes xenófobo, tinha as maiores reservas que Trump conseguisse sequer a nomeação pelo Partido Republicano. Além do mais, não tinha qualquer experiência política e evidenciava até uma aflitiva impreparação. Mas não só o conseguiu, como venceu a super favorita candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton, na luta decisiva do passado dia 8.
Estou certo que a maioria dos americanos que votaram em Trump, não o fizeram em nome dos mais puros ideais republicanos, nem sequer por o considerarem um grande candidato. Recordo que durante a longa campanha, muitos foram os notáveis republicanos que publicamente se distanciaram de Donald Trump. A forma como por vezes se dirigia aos árabes, aos mexicanos, aos imigrantes, às próprias mulheres…, “não parecia bem”, mesmo aos ouvidos dos mais conservadores.
Daí que estou convencido que muitos americanos votaram em Trump porque desejavam, acima de tudo, “mudança”, porque estavam simplesmente descontentes com a situação actual, e porque este candidato republicano representava a antítese do político tradicional, do “politicamente correcto”. Outros ainda, apenas porque não gostavam ou não se reviam em Clinton (ou nos Clinton). E outros, como sempre, possivelmente nem sabem muito bem porquê…
Mas a verdade é que muitos outros votaram em Donald Trump porque se reviam mesmo nas suas ideias e até no seu estilo, achando-o genuíno, mesmo que alguns não o tenham pretendido publicamente demonstrar. E foi essa maioria silenciosa que lhe deu a vitória, que surpreendeu meio mundo e enganou as próprias sondagens.
Recordo que o processo de eleição do presidente americano é longo. Entre a caminhada para a sua nomeação pelo Partido Republicano e o dia da eleição para residente da “Casa Branca”, Donald Trump esteve cerca de 16 meses a explicar ao que vinha e para onde queria ir. Pelo que a campanha eleitoral não foi uma mera formalidade. Nem para os americanos, nem para o resto do mundo, face à forma mediática como se desenvolveu e foi acompanhada. Só não ficou esclarecido quem não quis.
É certo que há quem adiante agora que a postura e discurso usado por Trump, durante a campanha eleitoral, tenham sido simplesmente resultado de uma sofisticada estratégia, desenhada e desenvolvida pelos seus assessores, apenas, e tão só, com o objectivo de ganhar as eleições, e que não vai ter continuidade nem grande concretização no futuro. O que também não abonaria muito em favor do candidato agora eleito.
Mas a verdade é que mais de 60 milhões de americanos votaram precisamente naquela postura e discurso. Cidadãos eleitores que vivem num país que tem uma taxa média de desemprego que não ultrapassa sequer os 5%, está em crescimento económico e que oferece um PIB per capita na ordem dos 54.000 dólares. Ou seja, estamos a falar de um país que aparentemente está em prosperidade e que oferece níveis de bem-estar elevados. E mesmo assim, uma boa parte desses cidadãos americanos desejam uma América mais voltada para si, menos solidária, mais sectária…
Mas genuína ou não, a verdade é que a imagem de radical e populista está inegavelmente associada ao novo presidente dos Estados Unidos, que por ser o líder da maior potência económica e militar do mundo, é sempre um referencial de poder e influência à escala global. E quer se queira ou não, Donald Trump assumiu um compromisso com o seu eleitorado.
De tal forma que o britânico Nigel Farage e a francesa Marine Le Pen, conhecidos lideres da extrema-direita europeia, não resistiram a manifestar de imediato, e de forma efusiva, o seu contentamento pela eleição do novo presidente americano. Enquanto o presidente da Comissão Europeia, Jean- Claude Juncker e o presidente francês, François Hollande, pelo contrário, logo evidenciaram as suas preocupações e receios.
A verdade é que até podemos admitir que o mandato de Donald Trump na Casa Branca venha a ser bem diferente daquilo que promete e indicia. Todos reconhecemos a força da máquina do Estado americano. E que os Estados Unidos mantenham, no essencial, os postulados da sua política externa, cumprindo e desenvolvendo os compromissos internacionais assumidos, e que a construção da paz social continue a ser uma preocupação da sua política interna. Mas que a eleição de Trump, com a postura e ideias com que se apresentou ao longo de toda a campanha eleitoral, não são um bom prenúncio, sinceramente sou levado a achar que não. Muito menos um bom exemplo para o mundo, que parece estar a ficar, cada vez, mais radical e intolerante. E em que muitos dos valores em que assentam as nossas democracias, parecem estar mesmo em crise.
Esperemos pelas novidades que os próximos meses nos irão oferecer com os actos eleitorais a ter lugar na Áustria, na Holanda, na Alemanha e na França…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia