Após as eleições europeias e as legislativas, o país político já começa a pensar nas presidenciais e nas autárquicas de 2021.
Para as presidenciais foram lançadas recentemente como possíveis candidatas Ana Gomes e Cristina Ferreira. Se a exequibilidade da segunda vir a ocupar o mais alto cargo da nação dava tema para uma crónica autónoma (quiçá se a candidatura se concretizar), já a primeira afigura-se como uma “escolha natural” como se lhe referiu o socialista Francisco Assis. O antigo eurodeputado defendeu ainda que a ex colega no parlamento europeu pelo PS seria a melhor candidata para unir a esquerda contra Marcelo Rebelo de Sousa.
É certo que o PS deve apresentar um candidato às presidenciais contra o actual detentor do lugar, que se recandidataria pela direita. Contudo assistimos actualmente a um fenómeno político caricato. Se no início do seu mandato Rebelo de Sousa conseguiu a proeza de ser um candidato unânime, hoje atingiu algo ainda mais difícil: agrada mais à esquerda do que à direita. Por outro lado e de forma irónica Ana Gomes encontra mais consenso nos outros partidos políticos que no seu próprio.
Isto porque o PSD se sente um pouco traído pela crescente conivência que Marcelo Rebelo de Sousa foi tendo com o governo de António Costa desde que assumiu o cargo e Ana Gomes não se inibe de dizer o que pensa e defender as suas convicções, o que já a levou a questionar nas redes sociais, a título de exemplo, como é que o PS se prestou a ser “instrumento de corruptos e criminosos” (a propósito das ligações de Ricardo Salgado a Manuel Pinho quando este era ministro da economia no governo de José Sócrates).
Aliás, a própria Ana Gomes quando confrontada pelos jornalistas com a possibilidade de se candidatar, respondeu de uma forma interessante: “Não estou disponível para me coartar da liberdade que é essencial para a minha capacidade de intervenção cívica”.
Foi essa “liberdade” de não ocupar actualmente nenhum cargo político, que lhe permitiu defender com unhas e dentes o hacker Rui Pinto no footbal leaks. E contestar com a mesma veemência Isabel dos Santos no novo leak: Luanda, que levou inclusivamente a primeira a mover-lhe um processo cível (entretanto indeferido), por ofensas à sua reputação e bom nome.
Contudo, mesmo quando era eurodeputada, Ana Gomes sempre pautou a sua postura política por uma intervenção cívica convicta, ainda que provavelmente coartada de alguma forma pelas limitações do cargo que ocupava. Senão não teria respondido daquela forma aos jornalistas.
E na realidade tem razão. Mais que um eurodeputado, um presidente da república não pode dizer certas coisas ainda que as pense. Todos os cargos públicos têm o interesse da nação subjacente (pelo menos em teoria), mas nenhum como o de chefe do Estado. Embora com Marcelo Rebelo de Sousa tenhamos assistido a uma certa despolitização do cargo (que atingiria o seu auge com uma candidatura de Cristina Ferreira), mesmo sendo um dos maiores políticos portugueses, a presidência da República seria um grilhão para Ana Gomes.
A ex eurodeputada faz-me lembrar a histórica antiga deputada comunista Odete Santos. Não só pelo quadrante político como também pela personalidade. Sem medo, filtros ou rodeios. Que em bom rigor não se coaduna com um cargo representativo no qual se tem que engolir alguns sapos sob pena de um acumular intolerável de inimigos. Não tenho dúvidas que ela não os recearia, mas Portugal sairia a perder.
Faz falta ao país pessoas como Ana Gomes, intelectualmente livres, principalmente em cargos públicos. Nesta República portuguesa teria dado uma excelente Procuradora-geral por exemplo, mas não uma boa presidente.
Angelina Lima
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)