As Eleições Legislativas de 2011 aconteceram num ambiente muito especial e de grande condicionalismo. José Sócrates e o PS defrontaram Passos Coelho e o PSD numa altura em que Portugal, incapaz de obter financiamento nos mercados, tinha acabado de assinar um acordo de assistência financeira internacional, que para além de um empréstimo de 78.000 milhões de euros, implicava também a implementação de um conjunto de medidas, a que estaria sempre obrigado o Governo que saísse dessas eleições, fosse quem fosse… Ou seja, o país encontrava-se numa situação de grande fragilidade, sob a tutela de um “resgate”, que na prática sugeria, para não dizer que impunha, que o partido que vencesse as eleições, acima da sua própria vontade, desse cumprimento à “vontade dos seus credores”, traduzida e expressa no famoso “Memorando da Troika”, que como logo lembraram alguns, mais parecia um “programa de governo”…
É que sem o cumprimento do estabelecido nesse “Memorando”, negociado ainda nos últimos dias de vida do Governo de José Sócrates, não seriam disponibilizados pela “Troika” os ditos 78.000 milhões de euros, absolutamente necessários para que Portugal pudesse escapar do estigma da “bancarrota”.
Ora, as eleições do próximo dia 4 de Outubro, disputar-se-ão num cenário completamente diferente. Portugal cumpriu com sucesso o programa de assistência financeira a que foi sujeito, a “Troika” regressou a casa, e o nosso país recuperou a plenitude da sua soberania. Pelo que a força politica que vencer as próximas eleições, não estará condicionada por nada de especial. Antes gozará de plena liberdade para implementar a sua própria vontade, assente naturalmente nos seus postulados ideológicos e nas linhas programáticas que apresentar ao eleitorado. Ou seja, poderá governar de acordo com o “seu próprio guião”. É neste cenário que Passos Coelho e a Coligação PSD-CDS/PP defrontam agora António Costa e o PS. Pelo menos, assim parece…
Com efeito, a economia nacional continua a crescer, tendo o Produto Interno Bruto registado, no segundo trimestre deste ano, um aumento homólogo de 1,5%. A taxa de desemprego continua a sua trajectória descendente, fixando-se nesta altura nos 12,2%. O índice de confiança das famílias portuguesas atingiu no passado mês de Agosto o valor mais elevado dos últimos 14 anos. E Portugal recuperou a sua credibilidade, conseguindo já obter financiamento regular nos mercados internacionais a taxas reduzidas, tendo inclusive conseguido recentemente fazê-lo a taxa negativa num financiamento a seis meses!
O que não significa que Portugal esteja completamente a salvo do estigma da “bancarrota” nos próximos anos. Na verdade, apesar das medidas de austeridade sem precedentes, a que os portugueses foram sujeitos nos últimos quatro anos, e do cenário macroeconómico do país ser inegavelmente melhor hoje do que em 2011, a dívida pública nacional é ainda uma séria ameaça, tendo subido, sucessivamente, desde 96% do PIB em 2010, até atingir em 2014 o valor “record” de 130,2% do PIB! O terceiro maior da União Europeia, apenas ultrapassado pela Grécia e Itália. Recorde-se a propósito, que a média de dívida pública entre os 28 Estados- membros da União Europeia, não ultrapassa nesta altura os 88% do PIB. Pelo que apesar de em Junho do corrente ano, a dívida pública portuguesa ter (finalmente…) descido para 128,9% do PIB, e um recente relatório da OCDE indiciar que a mesma se fixará no final de 2015 em 127,7% do PIB, o combate à dívida pública não poderá deixar de continuar a estar no centro das preocupações dos próximos governos, independentemente dos seus suportes ideológicos.
Daí que sendo verdade, que a força politica que sair vencedora das eleições legislativas do próximo dia 4 de Outubro, terá toda a liberdade e legitimidade para governar de acordo com o “seu próprio guião”, não é menos verdade que estará sempre condicionada por um forte dever de “sentido de responsabilidade”, e designadamente, por um desígnio que é seguramente colectivo, de evitar que Portugal volte a passar pela humilhação de um novo resgate, que a acontecer, seria o quarto, depois dos de 1978, 1983 e 2011.
Ora, é bom que todos os partidos percebam que os portugueses não aceitam, nem estão disponíveis, para mais sacrifícios como aqueles a que foram sujeitos nestes anos de dura austeridade. Sendo que o que se passou na Grécia nos últimos meses, e que terminou com um novo resgate, é bem elucidativo da importância do “sentido de responsabilidade”…
O que tudo não significa, que o crescimento económico, a promoção do emprego e o combate às desigualdades, não devam ser verdadeiras prioridades do próximo Governo.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia