1 – As eleições para a Presidência da República, marcadas para o próximo dia 24, irão acontecer em momento particularmente anómalo da nossa vida colectiva.
Há cerca de 10 meses que estamos sob os efeitos de uma pandemia à escala global, que lançou o nosso país, a Europa e o mundo, para uma crise sanitária, social e económica sem precedentes.
Sendo que nesta altura, estamos novamente na situação de “estado de emergência” e com o número de pessoas infectadas e falecidas com Covid-19 a subir, dia após dia.
Aliás, no momento em que escrevo, Portugal atingiu mesmo o seu pior dia, com 118 óbitos e 10176 novos casos de infecção. De tal forma, que já se anuncia um novo período de confinamento, com encerramento obrigatório do comércio a retalho de bens não essenciais e da restauração.
A situação é nesta altura muito grave e de forte pressão sobre o sistema nacional de saúde. O número de internamentos e doentes em cuidados intensivos com Covid-19 não pára de crescer.
Não somos capazes de adivinhar qual será o cenário da doença no próximo dia 24, mas é muito provável que não seja muito diferente daquele que vivemos no momento presente, que aconselha a recolhimento no aconchego do lar e se evitem grandes aglomerações.
E caso o Governo venha a decidir por um novo “confinamento geral” pelo período de 15 dias, como se alvitra, então a eleição do novo Presidente da República acontecerá mesmo em dia de vigência de confinamento obrigatório. Dir-se-á até, em “violação” dessa restrição legal da nossa liberdade.
Uma contradição que não se entende e que não faz nada bem à democracia. E que deveria a todo o custo ser evitada.
Tempos de excepção, exigem frequentemente medidas de excepção, mas também de bom senso e sentido de responsabilidade.
Não é por acaso que se decretam medidas de confinamento obrigatório, com todos os danos que as mesmas provocam, designadamente na economia. É precisamente para limitar o risco de contágio, de propagação da doença. Ou não é?…
Daí que ainda que acreditemos, face a todas as medidas de segurança implementadas, que a concretização do acto eleitoral no próximo dia 24 não será causa de uma subida significativa de infectados, não temos quaisquer dúvidas que muitas serão as pessoas, que por legítimo receio de contágio, não se irão deslocar às secções de voto para manifestar a sua vontade. O que bem se entende, designadamente a nível da população mais idosa, claramente mais sujeita às consequências da doença.
Ora, em democracia, o direito de voto, do cidadão participar na escolha dos seus representantes, é um direito inalienável, que o Estado deve garantir poder ser exercido em total liberdade e segurança.
No actual contexto, a abstenção pode mesmo vir a atingir números históricos e até, de alguma maneira, “inquinar” o próprio resultado final das eleições.
Tenhamos na memória o que aconteceu em França, com as eleições autárquicas de Março do ano passado. Um jornal francês chegou mesmo a sugerir na altura que “o vírus contaminou a democracia”…
2 – Apesar da actividade político /partidária não estar abrangida pelas restrições do estado de emergência, é evidente que face ao contexto pandémico que o país vive, teremos uma campanha eleitoral muito diferente da tradicional. Pela primeira vez, não creio que venhamos a ter os habituais comícios, arruadas, jantares e distribuição de propaganda. E os candidatos que vierem a ensaiar acções desta natureza, seguramente que o farão em modo muito reduzido e discreto, com fortes limitações. Os esforços de campanha serão com toda a certeza canalizados para acções na comunicação social, nas plataformas digitais, designadamente nas redes sociais, ganhando os debates televisivos um peso quase decisivo na formação da vontade dos eleitores mais indecisos.
3 – Quanto à disputa eleitoral propriamente dita, em bom rigor não temos verdadeiramente sete candidatos a concorrer ao lugar de Presidente da República. Temos sim, seis candidatos a desafiar o lugar do actual Presidente da República.
Com efeito, o que está em causa nestas eleições não é tanto apreciar as propostas e as ideias de cada um dos candidatos, mas a avaliação do mandato exercido pelo ainda Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que é candidato a um novo e último mandato.
O que se vem aliás constatando nos diversos debates em que o Prof. Marcelo tem participado, em que a maior parte do tempo é despendido em explicações e razões sobre a sua actuação enquanto Presidente da República, e sempre que tem necessidade de vestir a pele de candidato, Marcelo fá-lo até com especiais cuidados e moderação.
O que bem se compreende. É que desde 1976 todos os Presidentes da República que se candidataram a um segundo mandato foram sempre reeleitos. Assim aconteceu com Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. E Marcelo Rebelo de Sousa, candidato e Presidente da República ainda em exercício, sabe que todas as sondagens até hoje conhecidas, apontam para a sua reeleição com intenções de voto superiores a 60%.
Por outro lado, face à experiência adquirida, Marcelo sabe, melhor que ninguém, que não é candidato a líder do Governo ou da Oposição, e que o que a maior parte dos eleitores esperam dele é que seja capaz de ser um árbitro justo e atento, acima dos partidos e de quaisquer interesses de facção. Não é por acaso que repete até à exaustão que pretende continuar a ser o presidente de todos os portugueses.
Sendo que em minha opinião, e com o maior respeito por todos os outros, Marcelo Rebelo de Sousa é claramente, entre os sete, o candidato mais preparado e com melhor perfil para o exercício do cargo de Chefe de Estado e mais alto magistrado da Nação. Para além de ser um político que continua a valorizar o debate de ideias, o compromisso e a construção de consensos, mesmo no combate ao radicalismo e aos movimentos extremistas, o que é bom para a saúde da democracia, e designadamente para uma democracia inclusiva, responsável e esclarecida.
Paulo Ramalho