Daniel Castro Neves tem 29 anos, e está, desde 2016, a viver em Bruxelas. Mestre em Direito Público, trabalhava numa sociedade de advogados quando recebeu o convite para ser assessor no Parlamento Europeu. Publicou um livro em janeiro de 2019 e treina uma equipa de futsal em Bruxelas. O Notícias Maia foi conhecer este “Maiato pelo Mundo”.
Notícias Maia (NM): Como começa esta aventura fora de Portugal?
Daniel Castro Neves (DCN): A aventura começa em maio de 2016. Eu trabalhava numa sociedade de advogados aqui no Porto e o diretor dessa sociedade convidou-me para trabalhar com ele no parlamento europeu, porque ele também era deputado lá. Na altura aceitei sem pensar muito e sem saber condições algumas. Sabia que ia mudar completamente a minha vida. Entretanto já passaram 3 anos e meio.
NM: E como avalias estes anos a viver em Bruxelas?
DCN: Eu vivo em Bruxelas durante 3 semanas do mês e na outra semana vou para Estrasburgo. Acabo por viajar muito em missões com os deputados mas avalio de uma forma muito positiva. Bruxelas é uma cidade muito cosmopolita e tem uma característica única porque, apesar de ser uma cidade relativamente pequena quando comparada com outras capitais, é altamente multicultural. De tal forma que eu consigo andar a pé por todo o centro e encontro ali gente de toda a europa e mundo. A adaptação não foi assim tão fácil porque o mundo da política é um mundo exigente e as pessoas são muito desenraizadas. São jovens que ganham bem e são qualificados mas estão desenraizados. Não há aquele almoço de domingo, não há o mar e não há as nossas relações pessoais que damos tanta primazia. As pessoas em Portugal são especiais e é disso que se sente mais falta.
NM: Estando a trabalhar no Parlamento Europeu és, de certa forma, um representante de Portugal. Como é ser Portugal na Europa? Como nos veem?
DCN: Os portugueses são hoje bem vistos, no geral. Penso que foi um caminho feito nos últimos 40 anos. Nos anos 70 Portugal era um dos países com pior reputação, vínhamos de uma ditadura e fomos dos últimos a operar a descolonização. Nas instituições éramos vistos como um país com altos défices estruturais. Hoje somos vistos como um país relativamente pobre, não como um país pequeno, como às vezes pensamos, veem-nos como um país médio. E somos vistos como um país com uma diplomacia muito boa. Isso acontece porque há um conjunto de representantes que se mantêm. Não interessa se é do partido A ou B, todos os nossos altos representantes em demoraria, até hoje, têm sabido manter uma posição firme, sólida e discreta.
NM: E como nos vemos a nós próprios?
DCN: De uma forma extremamente crítica. Temos essa capacidade de rir e dizer mal de nós próprios. Muitas vezes, no diálogo com outros países, quando falamos de nós, as pessoas ficam a olhar para nós e perguntam porque estamos a dizer mal quando somos um país tão bom. O que temos é um à vontade a falar que permite que nos critiquemos. No final, temos aquela sensação de que é muito bom ser português.
NM: Mudaste a tua vida para ir para o parlamento. Vês-te a trabalhar com a política durante muitos anos?
DCN: O que faço no parlamento europeu é assessorar tecnicamente deputados. Eu ajudo-os a tomar decisões. Em bom rigor, as decisões polícias estão com eles. O meu contacto com a política é enorme mas eu não sou político. Não sei o que poderá acontecer nos próximos anos mas, para já, diria que estou bem e que gostaria de continuar este caminho.
NM: Quais são as maiores diferenças em viver na Maia e em Bruxelas?
DCN: Totais! Como te disse, não há o almoço de domingo em Bruxelas. Não há um café com amigos de longa data. Bruxelas é uma plataforma de passagem onde há gente de todo o mundo. É um ambiente altamente internacional. Aqui em Portugal vivemos uma vida muito mais sustentável e equilibrada. Lá vive-se no limite, ou seja, muitas horas de trabalho, muita diversão, consumindo muito mas não tendo aquele quentinho de casa que eu, pessoalmente, tanto prezo.
NM: E como levaste o Futsal para Bruxelas?
DCN: Treinar lá foi das coisas que mais me permitiu integrar. Desde logo a questão da língua. Eu aprendi a falar francês porque aceitei o desafio de continuar a jogar lá. Eu jogava aqui futsal na 1ª divisão e, quando fui para lá, tive oportunidade de jogar também na 1ª divisão. Entretanto, no ano passado, surgiu o convite de treinar e jogar numa equipa da 2ª divisão. Aceitei, fomos campeões e agora treino e jogo novamente na 1ª divisão. Isso permitiu que eu falasse Francês e que saísse da “bolha europeia”. Para mim é importante integrar-me nesse sentido. Sentir pessoas que vivem verdadeiramente em Bruxelas e não apenas que pousam lá.
NM: Para terminar, o que achas que vai ser o futuro da União Europeia?
DCN: O meu prognóstico é que há medida que outros países querem entrar, os países que estão dentro querem verdadeiramente criar uma diferenciação entre aqueles que cumprem à risca os tratados e as normas, que são normalmente os países que contribuem com mais dinheiro, e os que não o fazem. O que se vai passar, a meu ver, é que há medida que vamos integrando novos países, vamos ter necessidade de reajustar os países que lá estão. Como uma 1ª e 2ª divisão de países europeus. Infelizmente isso não corresponde ao espírito inicial da União Europeia. Portugal vai ter que repensar muito o seu posicionamento aí, sobretudo agora que o Reino Unido saiu da UE. Porque Portugal, sendo um país atlântico, e tendo estado sempre com o Reino Unido em organizações internacionais, vai ter que repensar. Nós, aliás, temos o tratado de aliança mais antigo da história do Direito Internacional em vigor, que é o tratado de Windsor, do século XIV.