“Foge cão que te fazem barão. Para onde se me fazem visconde?”. Já no tempo de Almeida Garrett se entranhava no ser português esta cultura tresloucada de disseminar títulos por encargo ou por promiscuidade com o poder. Volvidos dois séculos, já na era Cavaco Silva, eram até ontem 1109 as condecorações concedidas, distribuídas entre Antigas Ordens Militares, Ordens Nacionais e Ordens de Mérito Civil.
Serão estes “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”? Por feição da história acredito que o critério esteja hoje mais estreito. Afinal, em tempos idos, Mário Soares agraciou 2505 em 10 anos e no mesmo intervalo de tempo Jorge Sampaio conseguiu chegar aos 2374 condecorados.
Todos os antigos primeiros-ministros foram já distinguidos com uma condecoração no 10 de junho. Todos, exceto José Sócrates. Em anos anteriores, eram muitos os que se erguiam contra tamanha iniquidade e extraordinária maleficência por parte de Cavaco Silva. Curiosamente, ou se calhar nem tanto, este ano ninguém pede a condecoração de Sócrates. Provavelmente só mesmo o próprio para acreditar, lá dentro do seu mundo de utopia onde é um preso politico da mesma dimensão de Nelson Mandela, que merece ser reconhecido pelos seus serviços à pátria.
Desde cedo, a delonga de Cavaco em honrar Sócrates tirou a paciência a vários socialistas. A atribuição da Grã-Cruz da Ordem de Cristo era reivindicada por Ascenso Simões, ex-secretário de Estado de um Governo de Sócrates. Ele jurou redigir uma carta a Cavaco Silva para protestar “pelo facto de haver a intenção deliberada (…) de não atribuir a José Sócrates Pinto de Sousa a mais alta condecoração que o Estado Português entrega a todos os que exerceram a função de primeiro-ministro”.
De Capoulas Santos e Correia de Campos, ex-ministros socialistas, a Manuel Alegre, todos atacavam Cavaco Silva pela não condecoração de José Sócrates. Augusto Santos Silva, também ex-ministro de Sócrates, pedia em tom irónico: “Senhor Presidente, não dê ouvidos a Ascenso. Não se deixe pressionar. Não condecore Sócrates. É que ele não merece tamanha nódoa no seu currículo. Haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo”.
Por certo, nunca Cavaco pensou em condecorar Sócrates. As contendas entre eles são públicas e ficaram bem manifestas no prefácio dos “Roteiros”, em 2012, quando o Presidente da República acusou o socialista de uma “falta de lealdade (…) que ficará na história da nossa democracia”.
Se Ascenso Simões afirmava em novembro de 2014 que “muitos portugueses começam a questionar-se sobre as razões” para que este seja excluído da lista de condecorados, hoje já não será assim.
Hoje, José Sócrates não está cercado, está isolado. A detenção e prisão preventiva acabaram por fazer esquecer o tema. O detido 44 continuará assim como o único ex-primeiro-ministro que não foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo pelo Presidente da República.
Resta porem a expectativa que António Costa, seu ex-ministro Estado e da Administração Interna, mesmo não sendo Presidente da República prometa condecorar José Sócrates.
João Carlos Loureiro
[1] – Santos, Miguel. “Condecorações no 10 de junho. Quem as não tem??” Observador.
[2] – “Cavaco Silva Foge a Sete Pés Da Condecoração De Sócrates.” Notícias Ao Minuto.
[3] – Silva, Rui Duarte. “Sócrates Deve Ser Condecorado Por Cavaco?” Jornal Expresso.