1.-São três os livros que se debruçam sobre o tema de como será a família no futuro e até já no presente, a saber: “Identidade e Família”, “Manifesto pelas Identidades e Famílias” e “Reflexões sobre a Liberdade – Identidades e Famílias”. O primeiro publicado em março de 2004, é coordenado por António Bagão Félix, Pedro Afonso e Victor Gil, o segundo, da autoria de João Costa e publicado em maio de 2024 e o terceiro, coordenado por Joana Mortágua, Maria Castello Branco e Susana Peralta, publicado em agosto de 2024. O primeiro e o terceiro contêm uma série das chamadas personalidades cada uma dando a sua opinião, o segundo é mesmo um “manifesto” de João Costa, ex-ministro da Educação. Todos versam o tema da “identidade da família”, ou seja, o que é, qual o seu caminho e o que virá a ser. Certamente que o pensamento dos autores do livro “Identidade e Família”, não é o mesmo do “Manifesto” ou do “Reflexões sobre a Liberdade”, o primeiro, contém reflexões de pessoas da direita política, até roçando a extrema-direita de Salazar, mas, pelo menos, dois dos autores não se confundem com essa designação e as suas escritas não contêm matéria suficiente para apuramento das suas convicções (Guilherme D`Oliveira Martins e Manuel Clemente) ; o segundo, o autor é uma pessoa da esquerda política; o terceiro, pretende ser uma alternativa e contém textos do centro-direita, do centro, do centro-esquerda e da esquerda políticas.
2.-Os depoimentos dos livros giram sobre a família a sua identidade e o que será no futuro, mas também o envelhecimento, seu cuidado, aborto e eutanásia. Diz assim a “introdução”, no primeiro livro “De todas as sociedades humanas, a família é a única natural, universal e intemporal. Nasceu com o Homem e existe antes do Estado.” Mais adiante num dos textos: “Sendo ontológica e geneticamente um espaço de partilha e de vivência de afectos, de actuação e afirmação da realidade utópica do respeito e da liberdade na sua plenitude de significação, não é de admirar que a família, como instituição…esteja a ser alvo de ataques orquestrados por quem da liberdade tem uma vaga ideia…” e noutro “Com a desculpa de quererem proteger as minorias, de se manterem acordados para o fenómeno da opressão social, e com a defesa de temas como a igualdade racial e social, o feminismo, o movimento LGBTQIA+, …ameaçam a ordem social tal como a conhecemos”.
3.-O “Manifesto” é isso mesmo um manifesto querendo responder ao livro acima. Deixam-se aqui três extratos: “Jesus pregou a igualdade. Uma igualdade sem aceção de pessoas, raças, sexo ou condição social. Falou em amor universal. Falou em amor.”, “Atacar a igualdade entre homens e mulheres, o direito ao amor, a possibilidade de escolher, em nome de uma alegada fidelidade a valores espirituais, é, no meu entender, trair o cristianismo” e “O discurso de ódio não tem base racional e, por isso, torna-se injusto por definição”.
4.- No último livro lê-se: “Mas para mim é totalmente claro que só a consideração de que a vida é um dom divino, uma dádiva de Deus – em que muitas pessoas creem, o que naturalmente deve merecer o maior respeito -, algo que alguém na entrega, mas que na verdade não nos pertence, se torna compreensível a discussão da titularidade do direito à vida”, ou este depoimento sobre a igualdade de género: “Não há desenvolvimento sem saúde, nem saúde sem desenvolvimento. Não há desenvolvimento sustentável sem igualdade de género – é por isso essencial que esta seja uma prioridade de investimento dos países a nível interno e externo…” ou sobre as famílias “A verdadeira ameaça às famílias “tradicionais” (e a todas as outras) é a ausência de condições monetárias desafogadas…”.
5.- Ou seja, não existe em qualquer dos livros um apetite pela imagem de “uma mulher em casa, cuidando dos filhos, à espera do marido que foi trabalhar”, uma imagem salazarista do “Deus, Pátria e Família”, nem juntando a isto o “Trabalho”, mas é patente a diferença do conceito de família. Dois homens vivendo a sua vida com filhos, ou duas mulheres com filhos, ou um homem só, ou uma mulher só, com ou sem filhos, não entra no conceito do primeiro livro mas é patente nos outros dois. A isto junta-se o “aborto” ou a “eutanásia” defendidos por estes dois livros, mas se quanto ao “aborto” existe uma consonância, já na “eutanásia” ela não é tão sólida. Certamente, por muito que não queiram alguns grupos, o conceito de “família” irá ser reformulado, assim como o de “casal”, aliás já o está a ser.
Joaquim Armindo
Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental