No passado dia 16 de Agosto foi publicada a “Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais”, a Lei nº 50/2018.
A transferência de competências abrange, entre outras, as áreas da educação, acção social, saúde, cultura, património, habitação, áreas portuário-marítimas, gestão florestal e áreas protegidas, transportes e vias de comunicação, policiamento, protecção e saúde animal, segurança dos alimentos, estacionamento e freguesias.
Esta lei foi aprovada na Assembleia da República em Julho, apenas com os votos a favor do PS e do PSD, e na sequência de um acordo político sobre “descentralização”, então celebrado entre o Governo e os Sociais-democratas no pretérito mês de Abril. O CDS-PP absteve-se e BE, PCP, PEV e PAN votaram contra.
Ora, não tenho dúvidas que a proximidade com o território e com as pessoas permite uma melhor identificação dos seus problemas e até um melhor desenho das próprias soluções, pelo que em regra sou a favor de medidas efectivas de descentralização. Como num plano mais ousado, seria a favor de um modelo de regionalização que não implicasse um aumento da despesa pública e que assentasse numa clara vontade de distribuição mais justa da riqueza nacional, e que disponibilizasse competências e meios capazes de colocar finalmente todo o território do país a crescer numa verdadeira estratégia de desenvolvimento, de modo a que o “princípio da coesão” deixasse de ser uma mera formalidade do discurso político e adquirisse a materialidade que é claramente merecedor.
Daí que foi com satisfação que assisti ao “acordo sobre a descentralização” celebrado entre o Governo socialista de António Costa e o PSD de Rui Rio, que para além de um entendimento em matéria tão importante para a vida do país, deram um sinal que é de sublinhar, de privilegiarem o superior interesse nacional em detrimento da “costumeira” táctica política. E de que Governo e Oposição, por o serem, não têm de estar sempre de costas voltadas.
Todavia, publicada a dita Lei nº 50/2018, é com preocupação que assisto aos primeiros passos desta vontade descentralizadora. Desde logo, porque tendo entrado em vigor no passado dia 17 de Agosto, de harmonia com o preceituado no seu artigo 43º (dia seguinte ao da sua publicação), esta Lei-quadro apenas produz efeitos, nos termos do seu artigo 44º, após a aprovação dos respectivos diplomas legais de âmbito sectorial, acordados com a Associação Nacional de Municípios Portugueses! Acordo que ainda não se concretizou, que o Governo ainda não logrou conseguir. Sendo que em cumprimento do disposto no artigo 4º, nº 2, alínea a), da mesma Lei nº 50/2018, as autarquias locais e entidades intermunicipais que não pretendam a transferência das competências no ano de 2019, têm o dever de comunicar esse facto à Direcção-Geral das Autarquias Locais, após prévia deliberação dos seus órgãos deliberativos, até ao dia 15 de Setembro…
Ora, como reconheceu recentemente o próprio ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, “a transferência das novas competências para as autarquias locais, assim como a identificação da respectiva natureza e a forma de afectação dos respectivos recursos, só são concretizadas através dos diplomas de âmbito sectorial, os quais definem, em concreto, o processo de transferência”.
Daí que não existindo esses diplomas legais de âmbito sectorial, pergunta-se, como podem as autarquias locais assumir, de forma séria e responsável, a pretendida transferência de competências para o ano de 2019, não conhecendo sequer os respectivos envelopes financeiros, e tendo de aprovar obrigatoriamente os seus respectivos orçamentos até ao próximo dia 31 de Outubro?!…
Como diz o povo, “depressa e bem há pouco quem”. E apesar de fontes socialistas garantirem que os decretos sectoriais irão a Conselho de Ministros no próximo dia 13, a verdade é que não se concebe que matérias desta natureza e importância, que carecem de consensos verdadeiros e alargados, sejam tratadas desta forma apressada e até algo atabalhoada. Sendo que ao que se julga saber, as negociações entre o Governo e a Associação Nacional dos Municípios Portugueses ainda não terminaram…
O próprio responsável do PSD, Álvaro Amaro, que liderou as negociações com o PS sobre o pacote da descentralização, lamentava recentemente o facto do Governo não ter aproveitado “o incentivo político que o PSD lhe deu”. E que a continuar neste caminho, “a legislatura acabará sem que haja transferência de competências para os municípios”.
Por último, uma nota que me parece particularmente importante, nesta fase ainda de negociações e construção dos diplomas sectoriais: os municípios não são todos iguais, não possuem todos a mesma dimensão, a mesma capacidade económica e financeira, nem sequer os mesmos recursos técnicos. O território do nosso país é reconhecidamente muito assimétrico. Daí que seja de esperar, que designadamente o Governo, em todo este processo, tenha em devida atenção esta realidade, que é naturalmente influenciadora e até determinante na capacidade de cada município assumir e concretizar a pretendida transferência de competências, sob pena da preocupação do Presidente da República, do possível “agravamento das desigualdades entre autarquias locais”, vir a ser mesmo uma triste realidade.
O Governo não tem sido especialmente competente, mas esperemos pelos próximos episódios para se perceber até onde vai a sua vontade verdadeiramente descentralizadora…e já agora, a sua capacidade de aproveitar bem esta oportunidade para a vida do país.
Paulo Ramalho
Vereador da Economia e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia