Nas vésperas do 25 de Abril de 1974, Portugal era um país mais ou menos isolado, focado no seu “império colonial” e entregue ao seu próprio destino.
Não digo isolado, pois apesar da aparente “solidão”, Portugal era membro fundador da “OCDE- Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico”, da “EFTA- Associação Europeia de Comércio Livre” e da “NATO- Organização do Tratado do Atlântico Norte”.
Portugal cultivava aquela máxima do “orgulhosamente só”, ao mesmo tempo que ignorava a reprovação da comunidade internacional relativamente à guerra que então alimentava pela manutenção das denominadas “possessões ultramarinas”.
Do ponto de vista político, o “Estado Novo” era claramente um regime autoritário, nacionalista, corporativista e de cariz conservador, para muitos, de inspiração fascista. Era um regime de partido único, fortemente presente na sociedade e na economia, que tudo supervisionava. Possuía uma polícia política que reprimia qualquer oposição ao regime e que assegurava a manutenção da “moral e dos bons costumes”.
As liberdades de expressão, reunião e manifestação pública estavam fortemente condicionadas. Existia um serviço de censura que fiscalizava toda a comunicação social.
Dentro da Europa, Portugal era um país atrasado, com uma economia pouco desenvolvida e muito assimétrico, quer do ponto de vista territorial, quer social. Com salários maioritariamente muito baixos, muitos eram os portugueses que se aventuravam para o estrangeiro, à procura de melhor sorte. Portugal era, no entanto, o 8º país do mundo em reservas de ouro, por alturas de Abril de 1974…
É certo que nem tudo correu bem desde a queda do “Estado Novo” até aos dias de hoje. Muita coisa podia e devia ter sido feita de forma diferente.
O processo de descolonização acabou por ocorrer sem qualquer planeamento e preparação, e até de forma algo “atabalhoada”, em prejuízo de muitos portugueses e em particular, dos próprios “territórios ultramarinos” e suas populações.
Mas Portugal tem hoje uma relação de amizade, respeito e cooperação com as suas ex-colónias, agora Estados independentes, que nem todos os “países colonizadores” se podem orgulhar.
Portugal nos tempos de hoje é apenas um cantinho com 92.000 Km2, localizado no sudoeste da Europa, juntamente com os arquipélagos da Madeira e dos Açores. Mas é uma democracia moderna, assente no pluripartidarismo, em que a vontade de todos conta para a formação da vontade colectiva ou maioritária, e em que as liberdades de expressão, reunião e manifestação, estão constitucionalmente garantidas.
Passados 47 anos, Portugal continua a ser um país assimétrico e onde muito falta ainda fazer. Mas sejamos claros, muito menos desigual que em Abril de 1974, e muito mais próximo do desenvolvimento dos demais países europeus.
A adesão de Portugal em 1986 à então Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, foi sem dúvida um momento chave, e que permitiu, designadamente, que Portugal beneficiasse de “enormes fundos” para a modernização das suas infraestruturas e da sua economia.
Mas igualmente importante, ou talvez até mais, foi a acção do Poder Local, que com mais competências e recursos, foi capaz de responder de forma mais eficaz e eficiente às necessidades das suas populações e territórios, fazendo uso das vantagens da proximidade.
Nos anos setenta, 1 em cada 4 portugueses não sabia ler. Hoje serão, seguramente, menos de 5%. Por outro lado, Portugal tem actualmente cerca de dez vezes mais alunos no ensino secundário do que em 25 de Abril de 1974.
É verdade que ter um curso superior nos dias de hoje não significa ter emprego assegurado, como no passado. Mas é bom que se perceba que em 1974 apenas cerca de 58 000 portugueses frequentava o ensino superior. Hoje, são mais de 390 000, espalhados por universidades, politécnicos e demais institutos. E convenhamos, para além de ajudar na realização profissional, a formação e o conhecimento são absolutamente fundamentais para uma cidadania livre e esclarecida.
Nesta altura de pandemia por Covid-19, que assola praticamente todo o mundo, ocorre-me também recordar uma das maiores conquistas da nossa jovem democracia, e que muito contribuiu para a redução de desigualdades na sociedade portuguesa: o Sistema Nacional de Saúde, criado em 1979, através do qual o Estado assegura o direito a cuidados de saúde a todos os cidadãos portugueses, independentemente da sua condição económica e social. Um sistema universal, geral e tendencialmente gratuito, com garantia constitucional.
É importante que relembremos a nossa realidade em termos de mortalidade infantil. Em 1974, mais de 6500 crianças não sobreviveram ao primeiro aniversário. Por sua vez, em 2019, morreram “apenas” 246 crianças com menos de 1 ano de idade.
Mas nem tudo são “rosas e cravos”…
Portugal já foi intervencionado pelo Fundo Monetário Internacional por três vezes, em 1977, 1983 e 2011. E tem uma das dívidas públicas mais elevadas do mundo, nesta altura superior a 132% do PIB.
As ajudas do Estado aos bancos portugueses custaram nos últimos doze anos quase 10% do PIB nacional. A actual carga fiscal é a mais elevada de sempre em Portugal. A relação de confiança entre a classe política e a sociedade civil já viveu melhores dias. A participação dos cidadãos nos actos eleitorais tem vindo a descer nos últimos anos. São cada vez mais os que acham que o seu voto pouco vale ou conta.
Segundo a organização não-governamental “Transparency International”, Portugal possui um “índice de percepção de corrupção” superior à média da União Europeia e da Europa Ocidental, sendo assim interpretado como um país mais corrupto.
A própria Justiça já viveu momentos de maior reconhecimento pela sociedade. Começam a aparecer alguns fenómenos extremistas e populistas no ecossistema político nacional. Com o aparecimento das plataformas digitais e designadamente, das redes sociais, a discussão política e a participação cívica ganharam outras formas e evoluíram para outras dimensões, aqui e acolá pouco reguladas.
Por outro lado, apesar da inexistência de censura como aquela que era praticada pelo “Estado Novo”, a sensação que temos é que algures, um algoritmo, vigia e controla toda a nossa vida.
A verdade é que a democracia não é um dado adquirido. É preciso estimá-la e prestar-lhe os cuidados devidos todos os dias. Sendo que não é expectável que as novas gerações tenham a mesma percepção dos ganhos que nos ofereceu a democracia relativamente à ditadura que derrubamos em 1974…
Paulo Ramalho
Vereador da Economia e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia