Os Doutores Palhaços adaptaram-se aos novos tempos e, impedidos de entrar nos hospitais, partilham agora a sua alegria através das novas tecnologias. São os Palhaços na Linha e o NOTÍCIAS MAIA foi conhecer o seu trabalho.
Conhecemos a expressão “o espetáculo tem de continuar” e, na Operação Nariz Vermelho, é mesmo assim que se faz. Os Doutores Palhaços estão habituados a percorrer os corredores dos hospitais para levar alegria a crianças em tratamentos hospitalares mas, com o confinamento e com a impossibilidade de manter estas visitas presenciais, a Operação Nariz Vermelho adaptou-se e mantém agora o contacto com as crianças por videochamada.
O espetáculo continuou e a alegria dos abraços e do toque deu lugar à alegria da dedicação e vontade dos Doutores Palhaços. Uma alegria diferente, mas que mantem a mesma missão.
Se os tempos o permitissem, era também nos corredores destes hospitais que o NOTÍCIAS MAIA falaria com os protagonistas desta história mas, não sendo seguro, utilizamos também nós as novas tecnologias e entrevistamos dois Doutores Palhaços e a Coordenadora da Equipa Educativa do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN). Ainda assim, apesar da distância, a dedicação destes profissionais ao seu trabalho não se perdeu pela chamada.
Mas como é possível manter a ligação entre as crianças e os Doutores Palhaços? É um trabalho de equipa entre a Operação Nariz Vermelho e os próprios hospitais. Isto é, numa hora em específico, um profissional do hospital leva um tablet junto da criança e, durante algum tempo, a criança interage com os doutores palhaços.
Todas a segundas e quintas-feiras, a Doutora Marisol e o Doutor BoaVida intervêm junto das crianças hospitalizadas no Centro Materno Infantil do Norte. Conheça o trabalho destes doutores palhaços e da Coordenadora da Equipa Educativa do CMIN contado na primeira pessoa.
“Continuamos a ter o sorriso, a ouvir a gargalhada e a ter o sentimento de realização”
Rui Gomes é o Doutor BoaVida desde 2008. Entrou na Operação Nariz Vermelho por uma vontade enorme de mudar de profissão e, desde então, garante que a viagem tem sido incrível.
Notícias Maia (NM): Qual é a maior recompensa da sua profissão?
Doutor BoaVida (DBV): A maior recompensa é podermos ser motores transformadores das emoções das crianças, pais e profissionais de saúde. Usar a nossa arte para que, durante uns momentos, tudo seja mais leve, mais divertido e mais feliz. Apesar de este encontro ser algo breve, entre nós (palhaços e crianças) é algo muito intenso, que perdura para além daqueles minutos em que estivemos juntos e que perdura para além das paredes do hospital.
NM: Há momentos difíceis de gerir?
DBV: Infelizmente já houve alguns muito difíceis, mas, por outro lado, temos a sorte de quase todos os dias haver momentos extraordinários. Aquilo que retiro de momentos menos bons, são sempre as memórias dos encontros que tivemos, daquilo que fizemos, transformamos e criamos com as crianças e pais. Isto é algo mágico que esta profissão nos dá!
NM: Sobre os “Palhaços na Linha”, como é que foi feita esta adaptação para o virtual?
DBV: Pode parecer estranho, mas foi muito fácil adaptarmo-nos ao virtual. Durante 2020 e após o “fecho das portas” do hospital, criámos a TV ONV, onde conteúdos em vídeo eram disponibilizados no nosso canal de Youtube. Esse conhecimento adquirido facilitou esta adaptação ao “Palhaços na Linha”, sendo neste momento o mais próximo da experiência em ambiente hospitalar que podemos ter.
NM: Numa missão que se pensa para ser próxima e de contacto, as videochamadas têm resultado?
DBV: As videochamadas têm resultado incrivelmente bem e, como disse anteriormente, este encontro é o mais semelhante ao que existia antes de toda esta loucura da pandemia. A tecnologia, anteriormente, era um obstáculo que os Doutores Palhaços por vezes encontravam, uma vez que as crianças estão muito habituadas a estarem agarradas a um telemóvel ou tablet, mas neste momento essa tecnologia é um dos nossos maiores aliados. Além disso, continua a existir um contacto, mas desta vez feito pela fantástica equipa de educadoras do CMIN, que são os nossos braços, as nossas pernas e a nossa vida para lá do iPad.
NM: Um palhaço cabe num ecrã?
DBV: Um palhaço cabe em todos os lugares onde caibam crianças. Se tivermos uma criança num ecrã, nós também lá estaremos. Não importa o lugar, mas sim o encontro e aquilo em que transformamos esse momento. Continuamos a ter o sorriso, a ouvir a gargalhada e a ter o sentimento de realização. Ainda não é o encontro perfeito, mas vai ser, em breve vai ser.
NM: Antes desta adaptação aos “Palhaços na Linha”, imagino que tenha existido um tempo em que perderam o contacto com as crianças. Como é que esse tempo foi gerido por vocês? Um sentimento de impotência talvez?
DBV: Nunca perdemos o foco da nossa missão, tínhamos era que encontrar uma forma de nos adaptarmos a esta nova realidade. Nunca houve um sentimento de impotência porque sabíamos o que queríamos e continuamos a saber, o que nos move e o que nos deixa realizados: sempre o sorriso das crianças.
NM: Qual diria ser a missão do vosso trabalho?
DBV: A nossa missão é levar às crianças hospitalizadas, pais e profissionais de saúde um momento transformador em que, por alguns minutos, se possam abstrair do espaço do hospital e onde possa ser criado neste encontro algo extraordinário.
“A alegria que os Doutores Palhaços espalham pelo hospital é sentida por todos”
Ana Paula Martins é a Coordenadora da Equipa Educativa do Centro Materno-Infantil do Norte. Também ela torna possível esta ligação entre a operação Nariz Vermelho e as crianças hospitalizadas.
Notícias Maia (NM): Como é que tem funcionado os Palhaços em Linha?
Ana Paula Martins (APM): Está a funcionar muitíssimo bem, confesso que superou as nossas expetativas. As crianças aderiram muito bem a este formato que exige mais disponibilidade da equipa educativa, uma vez que acompanhamos as visitas, interagimos quando necessário, estimulando ou enviando sinais para a comunicação ser mais eficaz. Está a ser muito gratificante, gerou-se um trabalho de equipa fantástico e acabamos por fazer um trabalho muito sério e importante, uma experiência muito enriquecedora. Por incrível que possa parecer, estamos distantes, mas agora mais próximos.
NM: Estas chamadas são importantes?
APM: Estas chamadas são muito importantes. Estávamos todos desejosos de um reencontro, porque a alegria que os Doutores Palhaços espalham pelo hospital é sentida por todos. As visitas semanais fazem parte da rotina das nossas crianças, por isso elas aguardam sempre por elas com ansiedade, contando os dias que faltam. Estas chamadas permitem às crianças ter momentos de verdadeira descontração, brincadeira, gargalhadas, graças aos jogos, músicas e todas as estratégias de interação que são personalizadas e de acordo com a idade, situação clínica, disposição da criança e interação com as famílias.
NM: Como profissional, acredita que os Doutores Palhaços são importantes para o dia destas crianças?
APM: Sem dúvida, é um projeto em que acredito e com o qual me identifiquei desde logo. Percebemos bem a importância das visitas quando as crianças nos perguntam quando os Doutores Palhaços voltam, ou não querem desligar a chamada, ou pedem o número de telefone para lhes ligarem. Os Doutores Palhaços deviam estar em todos os hospitais.
“O Palhaço cabe onde quisermos que ele caiba, onde a criança quiser!”
Inês Mariana Moitas é a Doutora Marisol desde 2017. Atriz de formação, encontrou nos Doutores Palhaços a magia que acontece na interação de uma criança com um palhaço.
Notícias Maia (NM): Qual é a maior recompensa da sua profissão?
Doutora Marisol (DM): A maior recompensa deste trabalho é presenciar momentos transformadores e observar o impacto da arte do palhaço na criança. Quando o palhaço encontra a criança, o tempo parece parar para juntos viverem uma história, numa realidade diferente e mais leve. Abre-se o baú dos brinquedos, abre-se uma janela para sonhar. É muito gratificante assistir ao sorriso estampado no rosto de uma criança depois da nossa intervenção, criar laços, elos de ligação e histórias em comum. Saber que, por alguns momentos, a criança pode esquecer-se de que está hospitalizada, abrindo a sua mente para um encontro belo e extraordinário.
NM: Há momentos difíceis de gerir?
SM: Existem sim, muitos momentos difíceis de gerir, mas tento acreditar que as histórias e os momentos felizes que construímos com as crianças prevalecem na nossa memória como fontes de inspiração para seguir com esta missão. Este treino é muito importante para fortalecer a nossa musculatura, a nossa consciência no trabalho e a nossa capacidade de lidar com esses momentos difíceis.
NM: Sobre os “Palhaços na Linha”, como é que foi feita esta adaptação para o virtual?
DM: Novos tempos, novas adaptações. Foi necessário recuperar o encontro direto com a criança, ouvi-la em tempo real, criar histórias a partir daquilo que a criança nos dá. Assim, foi colocado um tablet num carrinho de soro e viajamos dentro dos serviços do hospital que outrora percorríamos presencialmente. No caso do CMIN, tivemos a sorte de encontrar uma equipa de educadoras altamente competentes e comprometida. Costumamos dizer que são as nossas pernas, os nossos braços e um terceiro olhar, um terceiro palhaço, uma vez que trabalhamos em dupla.
NM: Numa missão que se pensa para ser próxima e de contacto, as videochamadas têm resultado?
DM: Por mais incrível que pareça, sim. Não quero dizer com isto que uma visita virtual substitui uma visita presencial, mas os resultados têm sido impressionantes e superado todas as expectativas. As crianças estão muito familiarizadas com as novas tecnologias e, em alguns casos, parecem até libertar-se mais por detrás do tablet. Esta tecnologia tem-nos ajudado a conquistar sobretudo aquelas crianças que eram mais envergonhadas ou que sentiam medo da presença dos palhaços.
NM: Um palhaço cabe num ecrã?
DM: O Palhaço cabe onde quisermos que ele caiba, onde a criança quiser! Vamos reinventando as nossas intervenções artísticas através desta nova ferramenta, pois parece-nos urgente estar onde está o nosso público-alvo. Estamos ligados, estamos “em linha” e continuamos a estabelecer relação com estas crianças. Este formato é um desafio gigante, mas também um formato que traz novas possibilidades de criação.
NM: Qual diria ser a missão do vosso trabalho?
DM: A nossa missão consiste em levar à criança hospitalizada, aos seus familiares acompanhantes e aos profissionais de saúde um momento de comunicação leve e alegre, através da arte do palhaço. Intervimos junto deste grupo em situação de vulnerabilidade, no sentido de transformar o ambiente hospitalar numa experiência mais agradável. Nem sempre é fazer rir, muitas vezes é apenas desviar de uma forma muito subtil a atenção para outros universos, proporcionando momentos de extraordinária beleza poética.