Não sou indiferente a alguns dos argumentos a favor da despenalização da morte assistida e consigo, com alguma facilidade, perceber e identificar situações onde porventura seja possível encontrar algum grau de razoabilidade para tal solução.
Porém, para mim, a questão está muito para além de casos pontuais e de uma análise apaixonada de situações concretas para as quais, naturalmente, todos somos, uns mais do que outros, vulneráveis.
A discussão que se impõe fazer está num plano superior, no plano dos princípios de um Estado de Direito e no plano dos direitos fundamentais e constitucionais.
Do que se trata é de criar exceções ao princípio constitucional do direito à vida, o qual consagra que “a vida humana é inviolável”. O que está em causa é criar exceções à penalização do homicídio a pedido da vítima e ao incitamento ou ajuda ao suicídio.
Os cinco projetos de lei preveem exatamente tais exceções, propondo assim despenalizar tais atos, quando os mesmos sejam concretizados em condições especiais e mediante determinados pressupostos, desde logo, por decisão da própria pessoa com doença incurável e fatal e que se encontre em sofrimento extremo.
A manifestação da vontade, lê-se em tais projetos de lei, terá que ser atual, séria, livre e esclarecida, conceitos que carecem de concretização casuística o que, desde logo, me causa incómodo, nomeadamente no que respeita ao conceito de liberdade. Até que ponto podemos considerar uma vontade como livre, quando a mesma já está condicionada a um sofrimento profundo? Não será tal manifestação de vontade a procura de uma solução para situações de sofrimento, abandono, angústia e desespero? O que questiono, é se alguém nestas circunstâncias, está verdadeiramente livre para decidir revogar a vontade que sempre teve, desde que nasceu, de viver. Entendo que não.
E entendo que se assim for, muito falhou na sociedade, muito falhou na família e no Estado para que alguém sinta, alguma vez, preferir a morte à vida.
Prefiro lutar por uma sociedade na qual todos os esforços são feitos para que sejam cada vez mais raras as situações em que alguém deseje morrer. Prefiro lutar pelo conceito de Família, pelos cuidados de saúde dignos para todos, pela excelência de cuidados paliativos, pela criação de condições para que quem tem doenças incuráveis e fatais, tenha os melhores cuidados e o melhor acompanhamento possível, nomeadamente no seio familiar. Prefiro lutar para dar condições aos doentes e às famílias para poderem optar entre o recurso a cuidados paliativos em casa, com apoios domiciliários eficazes e acessíveis a todos, ou em lares ou hospitais.
Quero continuar a viver num país no qual tenho a certeza de que a vida humana é inviolável e não configura exceções. Este é o primeiro primado de um Estado de Direito, e é este Estado que, na minha perspetiva, melhor defende os seus cidadãos.
E por isso, o meu voto é contra cada um dos PL que serão apreciados e votados hoje em sessão plenária da Assembleia da República.
Márcia Passos
Deputada à Assembleia da República