Tal como tem sido hábito nesta época festiva natalícia ao longo dos anos em que contribuo neste espaço, gosto sempre de comentar e partilhar alguns dos bons exemplos que vou assistindo e reflectindo.
Na minha consulta pela imprensa internacional deparei-me com um documento, há cerca de uma semana atrás, que relatava a carta de um médico canadiano a uma empresa no Canadá.
Tentando contextualizar um pouco, no Canadá qualquer falta ao trabalho do foro da saúde do trabalhador, tal como cá, tem de ter uma justificação médica, seja ela por um simples quadro gripal ou qualquer desarranjo gastrointestinal.
Acontece que no Canadá, o Sistema Nacional de Saúde, que funciona lindamente, não contempla estes actos justificativos, tendo o trabalhador doente que pagar por inteiro do seu bolso uma consulta para pedir uma justificação (o sistema de saúde lá apesar de público tem uma componente semelhante ao sistema de seguros cá).
Ao deparar-se com a falta de sensibilidade de uma entidade empresarial que sistematicamente obrigava os seus trabalhadores a pedirem essas justificações, o médico Canadiano escreveu uma carta a essa entidade que resumia o seguinte:
“(…) é mais vantajoso para o trabalhador num quadro de gripe ou de infecção gastrointestinal ficar em casa do que partilhar qualquer sala de consultório com outras pessoas a quem possa transmitir a doença, (…) uma vez que o meu único acto terapêutico é pedir ao seu trabalhador para ficar em casa (…). Sabe tão bem quanto eu o quão prejudicial é para o nosso país (Canadá) entupir os consultórios com meros actos administrativos. O nosso sistema nacional de saúde é bom e funciona muito bem, bastando para isso comparar com os nossos vizinhos (entenda-se EUA) o seu modus operandi. Por isso mesmo, e também porque este acto é suportado na totalidade pelo seu funcionário, fica a sua empresa a saber que se se mantiver o recurso para simples actos administrativos procederei ao envio de uma factura no valor de 30 dólares em nome da sua empresa (…), poupando o seu trabalhador a uma despesa desnecessária (…)”
Para além de uma visão cívica fora do normal, este pequeno tesouro escrito pelo colega canadiano permite-nos reflectir sobre a forma como muitas vezes empresas e cidadãos instrumentalizam algumas das benesses que têm ao seu dispor. Só o respeito contínuo das entidades, a compreensão dos seus limites, a sensibilização para o quanto elas nos beneficiam nos permite agir de forma responsável, tornando possível a perpetuação dos serviços que hoje damos como garantidos.
Sem uma reflexão, sem uma responsabilização, sem uma reforma, diria, ideológica continuaremos muito provavelmente a perder os serviços que hoje damos como garantidos, e por isso os desvalorizamos.
Acredito que temos caminhado de forma certeira, em todo o caso quanto já poderíamos ter aprendido com os erros de outrem?
Umas boas festas
Ricardo Filipe Oliveira,
Médico;
Doc. Universitário UP;
Lic Neurof. UP;
Mestre Eng. Biomédica FEUP ,
não escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico.