O Gabinete de Apoio e Informação à Vítima (GAIV) Maia nasceu em 2014 e dedica-se ao apoio a vítimas de violência doméstica, abrangendo as áreas das Esquadras de Valongo, Ermesinde, Maia e Águas Santas.
O NOTÍCIAS MAIA foi conhecer o trabalho deste gabinete e, além do testemunho da Agente Principal Luciana e da Comissário Sílvia Caçador, pudemos ainda ouvir a história de uma destas vítimas de violência doméstica, contada na primeira pessoa.
Sílvia Caçador é Comissário da Divisão Policial da Maia, Comandante da Esquadra da Maia, Chefe da Área Operacional e Coordenadora do GAIV Maia. Ao nosso jornal, explica que o GAIV na Maia nasceu pela necessidade de aproximar o acompanhamento direcionado às vítimas, uma vez que o Gabinete de Apoio existia apenas no Porto. “O objetivo é ter um acompanhamento mais direcionado, mais personalizado, porque as vítimas são todas diferentes, apresentam trajetórias e tipos de violência diferentes. É violência doméstica, mas pode variar entre física, psicológica ou social”, explica.
Além da Comissário, há dois agentes destacados quase exclusivamente a este gabinete, a Agente Principal Luciana e o Agente Bispo. Ambos receberam formação específica para a função.
Sobre o trabalho do GAIV, a agente Luciana explica que, quando uma denúncia é feita, “nós fazemos contacto direto com a vítima, a reavaliação e depois fazemos todo o encaminhamento”. No caso da ajuda psicológica, por exemplo, cabe ao GAIV encaminhar as vítimas para instituições que trabalham também em rede com a Polícia.
“Nós sabemos quais são as melhores parcerias para cada caso em específico e depois então tentamos direcionar para aquelas com que trabalhamos mais diariamente, como é o caso da Cruz Vermelha para o apoio”, esclarece a comissário.
O GAIV é, tal como o nome indica, um gabinete dedicado inteiramente ao apoio à vítima, “o que não quer dizer que não façamos algum tipo de investigação, porque no acompanhamento à vítima vamos obtendo alguma informação que depois tem de ser dada a conhecer ao Ministério Público”, explica a agente Luciana. É um trabalho em rede que envolve também as Equipas de Investigação Criminal.
Em seis meses o GAIV acompanhou 147 denúncias
Nos primeiros seis meses de 2021 foram feitas 147 denúncias de violência doméstica. Significa, portanto, que só na primeira metade do ano o GAIV acompanhou 147 denúncias, fora os casos de anos anteriores.
As vítimas são “maioritariamente mulheres, mas também há homens”. A Comissário explica ainda que, de 2019 para 2020, “verificou-se um aumento do número de homens a apresentar denúncia por violência doméstica”.
É possível uma vítima recusar o apoio do GAIV?
A Agente Principal Luciana explica que “acontece com alguma frequência” as vítimas recusarem o apoio deste gabinete ou até fazerem queixa e depois retirarem a acusação. “Sendo assim nós comunicamos ao Ministério Público que não querem dar continuidade ao processo, mas dizemos que não somos nós que anulamos, nem arquivamos os processos”, acrescenta.
O GAIV trabalha também as avaliações de risco e, existindo diferentes níveis de risco, é possível que os agentes tenham apenas três dias para reavaliar uma situação. O GAIV dispõe ainda de equipamentos de teleassistência, para fazer o acompanhamento das vítimas. “Elas levam o equipamento para casa e carregam no botão de pânico caso precisem de pedir ajuda. O que acontece, muitas vezes, é que elas desligam o equipamento porque o parceiro deixa de as incomodar e então acham que não há essa necessidade”, acrescenta.
O que é preciso fazer para deixarmos de assistir a casos de violência doméstica?
“O resultado da violência doméstica pode surgir de fatores como a perturbação mental ou alguma uma falha no desenvolvimento mental que faz com que exista uma predisposição para a violência e temos ainda situações de quem já vivenciou situações de violência”, começa por explicar a Comissário. O facto de uma parte da sociedade ser ainda “machista” ou a “falta de diálogo entre casais” podem ser fatores que potenciem “esta violência”.
“Nas escolas, desde cedo, o que tentamos fazer é falar sobre a violência no namoro que continua a ter índices muito altos e que cada vez mais há denúncias dessas situações”, explica, acrescentando que a Polícia tenta também consciencializar de que é importante denunciar estes casos, caso estejam a acontecer connosco ou perto de nós.
Em 2021 morreram 23 pessoas por violência doméstica em Portugal
Só em 2021, morreram 23 pessoas por violência doméstica em Portugal. Das vinte e três vítimas mortais em contexto de violência doméstica dezasseis eram mulheres, duas crianças e cinco eram homens. O número total representa uma diminuição de 28% face a 2020.
A Violência Doméstica é um crime público, o que significa que o procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, bastando uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo.
“Com pena dele deixei-o voltar, mas ele batia-me muito”
Testemunho de uma mulher, de 54 anos, que foi vítima de violência de doméstica e, depois de apresentar queixa, acompanhada pelo GAIV da Maia.
Notícias Maia (NM): Como é que começaram os episódios de violência?
Testemunho (T): Num dia normal, estávamos no carro, e ele exaltou-se e insultou-me. Eu perguntei-lhe o que se passava e ele começou a agredir-me fisicamente, a dar-me murros. Quando chegamos a casa ele disse que se tinha metido na droga por minha causa e foi a partir daí que tudo começou. A minha filha começou a chorar e ele nessa altura saiu de casa, mas mais tarde voltou.
NM: Antes desse episódio, o seu ex-marido nunca tinha sido violento consigo, nem agressivo com a filha?
T: Não. E com a minha filha nunca foi, mesmo depois de se meter na droga.
NM: Mas era violento consigo à frente da sua filha?
T: Sim. A dada altura tive que me zangar com ela e pedi-lhe para ela ir viver com a irmã. Porque eu não a queria comigo, não queria que ela assistisse àquilo, ao que ele me dizia e fazia.
NM: Na altura a sua filha era menor de idade.
T: Sim, tinha 14 anos.
NM: Desde o episódio que me contou inicialmente, as agressões continuaram regularmente?
T: Sim, depois cada vez era pior. Durou alguns meses.
NM: Apresentou queixa?
T: Não. A primeira vez eu saí de casa e fui morar com a minha filha. Estive lá durante um tempo, mas depois voltei outra vez para casa, para a companhia dele. Nessa altura, ele estava a ficar cada vez pior e eu tive que o pôr fora da porta. Mais tarde, com pena dele deixei-o voltar, mas ele batia-me muito.
NM: Sente que foi o consumo de droga que despoletou a agressividade nele?
T: Sim, porque ele antes era uma pessoa meiga, carinhosa.
NM: Ninguém se apercebia? Ninguém frequentava a sua casa?
T: Não.
NM: Quando é que decide fazer a queixa?
T: Houve um dia, no carro, que ele estava mesmo louco e a fumar, e eu só tive tempo de pegar no meu cartão de cidadão, abrir a porta e fugir. Andei muitos quilómetros a pé e pedi ajuda à minha filha. No dia seguinte vim apresentar queixa.
NM: Como é que correu esse processo? Sentiu-se acolhida, sentiu que a ouviram?
T: Sim. Fui muito bem acolhida, perguntavam-me sempre se eu estava bem e se precisava de alguma coisa. Tanto aqui como em Matosinhos, na Polícia Judiciária, todos me trataram bem.
NM: Tinha conhecimento da existência deste Gabinete?
T: Não, porque nunca tinha precisado. Depois é que me disseram que existia este apoio e que me ajudavam. Fui acompanhada cerca de três meses.
NM: Sabendo que existem muitas mulheres e homens, filhos e filhas a sofrer em silêncio, o que é que diria a estas pessoas?
T: Eu diria para terem força e muita coragem, porque custa muito. Ele antes era uma pessoa muito meiga, muito carinhosa. Estava sempre pronto para tudo. Custou-me muito, porque eu gostava muito dele. O amor não acaba de um dia para o outro e as feridas demoram muito tempo a passar. Mas mulher nenhuma tem que sofrer por um homem, nem nenhum homem tem que sofrer por uma mulher.