“Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” – Ponto 1 do Artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.
A este propósito um recente acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) defende que esse direito à habitação previsto na Constituição, não é um direito “imediato e absoluto”, antes tem “natureza programática que o Estado deve tentar promover” ou seja “o Estado deve tentar promover, mediante construção de habitações sociais e económicas, estimulando a construção privada e o acesso à habitação própria ou arrendada”, refere o acórdão, acrescentando que “o Estado e as autarquias locais, devem à luz deste princípio, atribuir uma habitação ao cidadão carenciado, mas, infelizmente, nem sempre tal é possível, ao que sabemos, em parte alguma do mundo, apenas se tendo verificado iniciativas graduais e insuficientes”.
Vêm estas citações a propósito dos últimos números conhecidos sobre habitação, que nos dizem que existem cerca de 26 000 famílias, que vivem sem condições mínimas, logo o princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa não passa de uma miragem e de uma utopia.
Estes números são resultado do “Levantamento das Necessidades de Realojamento Habitacional”, publicado pelo em Fevereiro de 2018, pelo IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.
Convém referir, e citando, que “este levantamento identifica o universo de situações de precaridade habitacional existentes em Portugal, constituindo o primeiro levantamento sistemático realizado em matéria de precaridade habitacional, incidindo sobre todo o território nacional”.
Este estudo que tem como principal objetivo a criação de um novo Programa Nacional de Realojamento para garantir um efetivo acesso ao direito à habitação, conclui que existem:
187 municípios com carências habitacionais sinalizadas;
25 762 famílias em situação habitacional insatisfatória;
14 748 edifícios e 31 526 fogos sem as condições mínimas de habitabilidade;
74% dessas famílias localizam-se nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, sendo que só na Área Metropolitana de Lisboa residem 50 % do total das famílias com carência habitacional.
Reportando-nos á AMP – Área Metropolitana do Porto, o número de famílias em situação de carência habitacional é de 5 222, que representam 20% do total.
Em Portugal, o modelo de política de habitação tem-se centrado, em grande medida, na disponibilização de uma oferta pública de habitação para os grupos mais vulneráveis e carenciados, não havendo uma oferta com apoio público para as populações que, apesar de terem rendimentos mais elevados, não conseguem aceder a uma habitação adequada.
Este modelo é cada vez mais desajustado, face às carências habitacionais da atualidade. Com efeito, tendo o grupo de pessoas em situação ou risco de vulnerabilidade aumentado, em parte pelo envelhecimento populacional, mas também pelo aumento da pobreza, do número de agregados familiares monoparentais e das famílias que, por causa da crise recente, deixaram de poder cumprir com as suas obrigações em matéria de crédito habitacional. As estatísticas demonstram que os mais afetados são os jovens que, seja pela falta de oferta de habitação no regime de arrendamento a preços comportáveis, seja pela dificuldade em conseguir um empréstimo para a compra de casa, veem cada vez mais adiada a oportunidade de se emanciparem.
Sendo assim, é urgente haver soluções para estas situações, mediante o alargamento do âmbito dos beneficiários da política de habitação social, incluindo, por esta via, a população de rendimentos intermédios que se encontra em situação de inacessibilidade habitacional. Na conjuntura atual esta é uma condição necessária para a construção de uma política de habitação mais ampla e justa, que funcione efetivamente como um garante do direito à habitação.
Conforme no início referimos, se na Constituição da República está consagrado que todos têm direito a uma habitação condigna, esperemos que o Estado Central seja capaz de conceder aos Municípios os meios necessários para que possam concluir os Planos de Realojamento previstos e implementar novas soluções e que às famílias sejam dadas condições para que possam ter acesso ao mercado de arrendamento.
Não é com soluções estapafúrdias, como as que têm sido tornadas públicas, como por exemplo, de casas que estejam abandonadas ou injustificadamente devolutas, sobretudo em zonas de maior défice habitacional, poderem vir a ser requisitadas pelo Estado, regiões autónomas e autarquias por forma a serem reconvertidas e passarem a integrar o património habitacional público.
Criem-se sim condições para que o mercado funcione e que os proprietários tenham acesso a meios de financiamento, que permitam recuperar as habitações degradadas e as coloquem no mercado de arrendamento a preços razoáveis e não especulativos como o que acontece actualmente.
Nota: Dados apresentados foram consultados em “Levantamento das Necessidades de Realojamento Habitacional”, publicado pelo em Fevereiro de 2018, pelo IHRU – Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana.
Manuel António Ferreira, Engenheiro Civil