Há largos meses a esta parte, várias ideias têm vindo à epifania do meu pensamento e quero partilha-las com os meus interlocutores de circunstância. A judicialização da política é um fenómeno moderno mas muito perigoso, que desvirtua a nobreza da justiça e da política.
Um Estado de Direito Democrático é alicerçado na separação dos poderes, quer seja o executivo, o legislativo ou o judicial, trilogia defendida por Montesquieu com vista a combater o absolutismo e a concentração do poder numa só pessoa, o que podia dar origem a situações de abuso de poder (em muitas situações deu, como a História bem ilustrou).
Pois bem, há esferas de poder que se distanciam pela sua própria natureza, mas hoje mais do que no passado quem governa tem que ter um forte conhecimento dos diplomas legislativos, da sua interpretação e ainda da sua eficácia. Quem julga tem que conhecer e dominar não apenas os conceitos jurídicos mas todos aqueles que estão patentes no caso concreto que está a decidir.
O Direito e a Justiça infelizmente para o cidadão e para o próprio sistema, nem sempre andam de mãos dadas, há muitas decisões que resultam da aplicação do direito “tout court” mas não justas no caso em análise, é o caso concreto da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, no passado dia 2 de Setembro de 2019, que confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em condenar o Senhor Presidente da Câmara Municipal da Maia, Eng. António Silva Tiago, e o Senhor Vereador, Doutor Mário Nuno Neves, em perda de mandato.
Muito telegraficamente e porque já vi por aí, muitos erros deliberados por parte de jornalistas e bastante aproveitamento político por parte da oposição nomeadamente o partido “Juntos Pelo Povo” em consonância com o partido socialista que querem obter no tribunal aquilo que nas urnas por sufrágio directo e universal são incapazes de alcançar, cumpre explicar aos maiatos o que está em causa. É imperioso ter cautela, trata-se de notícias que visam pessoas, titulares de direitos liberdades e garantias e podem consubstanciar o crime de injúria ou de difamação. Eu se no âmbito do exercício das minhas funções cometer um “erro” ou “lapso” incorro em responsabilidade disciplinar, civil e quiçá penal. Assim seja também com esses senhores, por um jornalismo sério e nobre, num dito Estado de Direito Democrático não pode valer tudo.
Trata-se de um processo de natureza administrativa, não havendo por isso lugar a qualquer responsabilidade de natureza cível ou criminal, a única coisa concreta que existe é assinatura de uma proposta por parte do Senhor Presidente de Câmara Municipal da Maia, tendo estado subjacente à sua actuação um parecer jurídico elaborado por um especialista de reconhecido mérito. Os autarcas visados não beneficiaram terceiros nem tão pouco a si próprios, não votaram a sobredita proposta, nem sequer estiveram presentes na reunião de câmara. A Empresa Municipal Tecmaia encontrava-se em processo de liquidação, não tendo património e capacidade para cumprir o pagamento da obrigação a que estava sujeita, o dinheiro nunca saiu da esfera pública, os administradores não tinham qualquer remuneração e actuavam única e exclusivamente em representação e interesse do município.
Com este quadro factual traçado, num Estado de Direito Democrático, nenhum juíz ou colectivo de juízes tem autoridade para retirar o mandato a um Presidente da Câmara eleito democraticamente pelo povo pela prática de um simples acto administrativo cuja legalidade é discutível.
Qualquer restrição a direitos fundamentais, constante em legislação ordinária deve respeitar o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), nos termos do qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que aqui não acontece e consequentemente permite dizer que a sanção perda de mandato é desproporcional e inconstitucional no caso “sub júdice”.
Embora tentem, ninguém consegue apagar a obra que o trabalho diário de vários anos edificou e perpetua em prol do concelho da Maia.
Em suma, os partidos devem fazer política positiva com valores e princípios, repugnar tendências de “Judicialização” sob pena de violarem o direito de acesso ao direito, aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva constituindo assim um Abuso de Direito não admitido no sistema jurídico português. Tenho esperança e fé no Direito e na Justiça, nas diversas instâncias que a realizam e enobrecem, continuo a acreditar num Estado de Direito Democrático, defendo-o acerrimamente todos os dias quer no plano profissional quer no plano político.
O Autor não segue o novo “acordo” ortográfico.
António Manuel Afonso Mota
Advogado