“ O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo”
10 de Junho de 2019. Neste dia do aniversário da morte de uma figura incontornável da literatura portuguesa, Luis Vaz de Camões, faz uma semana que o país se despediu de outra, Agustina Bessa – Luís.
Mulher do Norte na acepção habitual da palavra: controversa, directa, sem papas na língua e que por isso nos deixa um legado tão rico em expressão oral como escrita.
Podia fazer uma dissertação pseudo intelectual sobre Agustina, escritora que chegou a viver durante a sua infância em Águas santas na Maia e por isso também é um bocadinho nossa. Passava aqui em revista a sua obra que, na realidade, desconheço quase por completo. Assumo-o sem pejo.
“Poucos são os que me lêem, mas muitíssimo mais os que me conhecem” disse ela um dia. Tenho que concordar. Quantos dos que lhe prestaram tributo eram verdadeiramente entendidos na sua criação literária?
Agustina não era para todos. Tinha livros peculiares. De uma complexidade e densidade profunda. Escreveu o romance que deu origem a um dos filmes da minha vida, o clássico de Manoel de Oliveira “ Vale Abraao”, que superou a obra literária – caso raro nas adaptações cinematográficas no geral diga-se -, principalmente pela dificuldade de transposição das ideias da autora para a tela. O realizador fê-lo com vários livros de Agustina mas não voltou a ter o mesmo brilhantismo do que a contar a história de Ema.
Por outro lado Agustina tinha comentários tão acutilantes como “O país não precisa de quem diga o que está errado; precisa de quem saiba o que está certo” frase citada repetidamente durante a semana nas redes sociais e que carreguei comigo, pela sua actualidade e pertinência. Numa altura de abstenção politica, apatia social, letargia emocional, nunca estas palavras fizeram tanto sentido.
Proliferam casos de corrupção em várias áreas e quadrantes. Abundam hatters de sofá, que destilam critica escondidos atrás de um ecrã de telemóvel ou computador. Procura-se incansavelmente o defeito no outro que o desfeia, ao invés de exaltar as suas qualidades que embelezam. E assim as pessoas afastam-se umas das outras. Assistimos ao primado da forma sobre o conteúdo. Focamo-nos no acessório e desviamo-nos do essencial.
Os exercícios de retórica são mais valorizados do que a mensagem. Esta por sua vez não é ouvida se não for apresentada através de uma bela oratória. E são tão raros os que conseguem conciliar ambos. Muitos apontam direcções. Tão poucos sabem o caminho… Na verdade os que mais apontam são os que menos sabem. É assim desde o princípio dos tempos. O “só sei que nada sei” como principio para a busca incessante pelo conhecimento está a cair em desuso. Nos primórdios a “Verdade” era vista como inalcançável, agora todos são donos dela.
Hoje a generalidade julga saber mais do que na realidade sabe e esse é o primeiro passo para não se saber coisa alguma.
Neste dia de Camões escrevo-vos sobre uma vencedora do prémio homónimo, referência que premeia o contributo para o enriquecimento do património cultural lusófono.
No dia de Portugal cito uma frase da aludida autora que traduz o sentimento de queixume e vitimização tão tipicamente nacional.
No dia em que se celebram também as comunidades portuguesas escrevo-vos de uma nossa ex-colónia, onde a herança colonial ainda se encontra bem enraizada nas mentes dos seus habitantes.
Portugal de feitos enormes mas de espirito cada vez mais pequenino. Onde os poucos que sabem o que está certo não estão nos locais certos. Agustina era das poucas que estava. E cumpriu o seu desígnio. Sem ela a literatura não fica mais pobre porque as obras, ao contrário do ser humano, são imortais. Assim como a tradição de um povo e a história de uma pátria. A nossa nação valente e imortal… Honremo-la!
Angelina Lima
A autora escreve segundo a antiga ortografia