Passaram-se quase quinze anos sobre a reintegração de Macau na soberania da grande China, após um longo período de mais de quatrocentos anos sob o domínio português. E muito mudou entretanto, neste pequeno território de 28, 6 Km2 e com uma população residente de cerca de 550 000 habitantes. Mas muitas outras coisas se mantêm.
Macau é hoje uma das regiões administrativas especiais da República Popular da China, parte integrante do país mais populoso do mundo (com quase um quinto da população total da Terra), mas por força daquele seu estatuto, com um elevado grau de autonomia, com limitações importantes apenas em matérias de defesa e relações externas. Macau goza assim do direito de manter as suas especificidades, designadamente no que concerne ao seu sistema económico-financeiro, social, fiscal, controlo da imigração e fronteiras, à sua moeda, aos direitos, liberdades e garantias dos seus cidadãos, bem como aos seus costumes e tradições culturais.
Por outro lado, apesar de apenas uma pequena percentagem da sua população dominar a língua de Camões, e da comunidade lusa residente não ultrapassar os 2%, a presença portuguesa de mais de quatro séculos neste cantinho da China, está ainda bem presente. As suas ruas, praças, jardins e edifícios públicos, mantêm ainda a sua original denominação e identificação em português. Muitos dos edifícios típicos da arquitectura portuguesa mantêm-se ainda em excelente estado de conservação. E até pastéis de nata iguaizinhos aos de Belém, podemos ali encontrar com facilidade…Não esquecendo que a pequena comunidade lusófona aí residente “continua a ser um actor central na vida política, económica e social da Região e a granjear respeito e admiração”, como recordou há cerca de um ano atrás Durão Barroso, numa visita que então efectuou a Macau, na qualidade de presidente da Comissão Europeia.
Mas volvidos quase quinze anos, Macau é também um território diferente, com muito mais gente na rua, com novas e modernas infra-estruturas, novos e grandiosos hotéis, centros comerciais, e com muito, muito mais dinheiro. Com efeito, com o fim da concessão do monopólio que beneficiava o grupo empresarial de Stanley Ho, no sector do jogo, verificado em 31 de Dezembro de 2001, instalaram-se neste território um grande número de novos casinos, que atraem anualmente cerca de trinta milhões de turistas, de tal forma que hoje Macau, é conhecido por “Las Vegas do Oriente.”
Segundo o Jornal “Tribuna de Macau”, de 30 de Outubro de 2010, as receitas brutas provenientes do jogo, terão atingido apenas nesse concreto mês de Outubro, os 19 mil milhões de patacas. Valor bem superior à receita de todo o ano de 1999 (último ano em que Macau esteve sob a administração portuguesa), e que se terá cifrado em cerca de 13 mil milhões de patacas!…
Mas há uma realidade que se mantém e assim continuará. A sua situação geográfica. Macau situa-se na costa meridional da Republica Popular da China, a oeste da foz do Rio das Pérolas, faz fronteira com a Zona Económica Especial de Zhuhai, e está a poucos Km de outras importantes cidades chinesas como Shenzhen, Jiangman e Cantão. E ainda, a cerca de 60 Km de Hong Kong, uma das mais importantes praças financeiras do mundo. O que tudo faz com que Macau seja hoje uma plataforma, uma porta de entrada privilegiada, como aliás já foi no século XVI para os comerciantes portugueses, para o grande mercado da China continental, hoje com os seus 1,36 mil milhões de potenciais consumidores.
Não é por acaso que na Feira Internacional de Macau, que decorreu entre 23 e 26 do passado mês de Outubro, estiveram representadas mais de mil empresas e organizações de cinquenta países. Entre elas, cerca de setenta portuguesas…
E aqui a história joga claramente a favor de Portugal. Os quatrocentos anos de permanência em Macau construíram relações, afinidades, cumplicidades e pontes que nenhum outro país tem capacidade de aceder ou beneficiar de igual forma. O que tudo pode permitir a construção de parcerias estratégicas capazes de promover e facilitar de forma mais eficaz as relações económicas entre agentes económicos nacionais e chineses.
Daí que o próprio Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau-IPIM, organismo sob a tutela da Secretaria para a Economia e Finanças do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, tenha já definido, como um dos objectivos do Centro de Exposições de Produtos de Macau (Macao Ideas), o agenciamento de produtos dos países de língua portuguesa. E os próximos projectos anunciados recentemente pelo presidente do IPIM, Jackson Chang, dirigem-se precisamente no sentido de fortalecer a cooperação económica entre a China e os Países de Língua Oficial Portuguesa, através da plataforma Macau, com a implementação de “três centros” neste território: “o Centro de Serviços Comerciais para as PME`S da China e dos Países de Língua Portuguesa, o Centro de Distribuição dos Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa e o Centro de Convenções e Exposições para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”.
Sendo que nos últimos quatro anos, as exportações portuguesas para a China mais do que duplicaram. Em 2000, a China era um mercado distante, não figurando sequer entre os vinte e cinco principais destinos das exportações nacionais. Actualmente, a China é o nosso décimo “cliente”. Sendo que o potencial de crescimento, atenta a dimensão do mercado chinês e os novos hábitos de consumo que hoje manifesta, é enorme, designadamente para produtos de qualidade. A título de exemplo, a China é já hoje o quinto maior mercado fora da Europa, para os vinhos portugueses.
A própria IV Conferencia Ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, que decorreu em 2013, em Macau, definiu como objectivo até 2016, “alcançar os 160 mil milhões de dólares americanos em volume de trocas comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa”.
Ora, uma economia pequena, como é claramente a portuguesa, não pode nos dias de hoje sobreviver sem uma aposta forte e estratégica na internacionalização. E neste processo, não pode desaproveitar as oportunidades, nem deixar de assumir as responsabilidades, que os legados da história lhe vão oferecendo, onde se incluem claramente, as relações privilegiadas de mais de quatro séculos com Macau, China e os Países Lusófonos…
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e Relações Internacionais
Câmara Municipal da Maia