Ana Ascenção tem 23 anos e esteve os últimos 7 meses a viver no Rio de Janeiro, no Brasil. Estuda medicina na Universidade do Porto e quis viver uma experiência nova ao estagiar num hospital na cidade maravilhosa. O Notícias Maia foi conhecer esta “Maiata pelo Mundo” que acaba de regressar a Portugal.
Notícias Maia (NM): Acabas de chegar a Portugal. Do que tiveste mais saudades do nosso país?
Ana Ascenção (AA): Da minha família e dos meus amigos. Ao contrário do que pensava, não senti falta da comida (risos). De resto, acho que encontrei no Rio um lugar a que posso chamar de casa e onde quero voltar.
NM: Estando a estudar medicina e tendo estado a trabalhar no Rio de Janeiro, qual é a realidade que se vive dentro dos hospitais?
AA: O hospital foi um choque para mim. Era muito pobre a nível de infraestruturas, disseram-me que era um dos piores do Rio de Janeiro. Como não têm dinheiro nem recursos, não conseguem reabilitar os espaços.
NM: Quais são os maiores desafios dos hospitais?
AA: A cidade do Rio de Janeiro é muito grande e nem sempre é fácil dar resposta. Eu não assisti a nenhuma tragédia mas o que se faz é transferir os doentes para hospitais de referência para determinadas especialidades. O pior é que esse transporte é condicionado pelo trânsito, que é quase sempre caótico. E nem sempre as ambulâncias estão equipadas com o que é preciso para manter um doente estável.
NM: Qual é o preço da saúde no Rio de Janeiro?
AA: Lá existe uma espécie de Serviço Nacional de Saúde que é o SUS (Sistema Único de Saúde). Mas é muito deficitário. Depois nem toda a gente consegue ter seguro de saúde, porque são caros, e mesmo assim não cobrem grande parte das despesas. Os hospitais particulares são muito diferentes. Depois o que está a acontecer, com este governo do Bolsonaro, são alguns cortes no investimento na saúde. Por exemplo, os medicamentos comparticipados pelo governo estão a ficar cada vez mais reduzidos.
NM: E qual é a maior diferença na cultura? Achas que somos parecidos com os brasileiros?
AA: Não muito (risos). Mas falar de brasileiros e cariocas é diferente. Nós, principalmente as pessoas do norte de Portugal, somos parecidos com os cariocas no sentido da hospitalidade. Fora isso, é totalmente diferente. Eles são um povo muito mais animado e muito feliz. Vivem mesmo a vida e tu sentes as boas vibrações. E, apesar de existirem situações de racismo, discriminação e onde a mulher é vista ainda como inferior, no geral são pessoas com uma mentalidade aberta.
NM: Vamos tendo conhecimento de situações de violência no Brasil. Como é que é encarada a escalada da violência lá?
AA: Tens duas formas de encarar: ou continuas a viver a tua vida ou ficas constantemente com medo com as notícias e não sais de casa. Até há aplicações que indicam onde estão a ocorrer tiroteios.
NM: Tu viveste alguma situação de perigo?
AA: Vivi, sim. Passei no meio de uma comunidade, as ditas favelas, no momento em que estava a decorrer uma operação. Foi logo na minha segunda semana no Rio de Janeiro. Eu ia no autocarro e a dada altura o motorista começou a gritar para toda a gente se baixar. Espreitei pela janela e vi um carro todo baleado e uma confusão muito grande. Pessoas a bater no autocarro para entrarem no autocarro. Mas além deste momento, em 7 meses, não me senti mais em perigo.
NM: Alguma vez te sentiste discriminada por seres portuguesa?
AA: Nada, muito pelo contrário. Só se metiam comigo e perguntavam “cadê meu ouro” (risos). Fui muito bem acolhida.
NM: Qual foi a maior dificuldade que sentiste nestes meses?
AA: A maior dificuldade foi mesmo adaptar-me à forma como eles levam a vida. De certa forma, eu já estava mentalizada com a questão da violência e da pobreza. Mas atenção, mesmo já estando preparada, é uma realidade que me deixou muito chocada.
NM: Em poucas palavras, como avalias esta experiência fora do país?
AA: Acho que foi das melhores experiências que tive. Senão a melhor. Aprendi muito e tive oportunidade de exercer medicina a tempo inteiro, com um nível prático que não poderia exercer aqui no São João.
NM: Imaginavas-te a viver no Brasil a longo prazo?
AA: Ir e ficar para sempre, não acredito. Agora, ir e ficar uns 5 ou 10 anos, talvez. Eu identifiquei-me mesmo muito com a cidade.