Marta Santos tem 30 anos e vive, desde 2013, em Lovere, na província de Bergamo. Mudou-se para Itália quase sem pensar e sentiu bem o choque de passar de um centro urbano para a vida num ambiente mais rural.
Agora oito anos depois, conta-nos que aprendeu a adorar as montanhas mas que tem muitas saudades de Portugal.
Notícias Maia (NM): Como é que começa esta aventura no estrangeiro?
Marta Santos (MS): Desde que entrei para a faculdade sempre tive a ideia de ir para o estrangeiro. Era uma coisa que eu sabia que ia acontecer. Fui de Erasmus para Terragona, perto de Barcelona, e ali comecei a pensar já em algumas cidades para trabalhar. Depois voltei para o Porto para terminar a faculdade. Acontece que, nesse verão, em 2013, um rapaz italiano que eu tinha conhecido em Erasmus veio passar férias ao Porto. E pronto, o resto é história (risos). Depois fui eu fazer férias em Itália e acabei por ficar.
NM: E como é que foi o processo para encontrar trabalho?
MS: Eu vim para cá sem saber uma palavra em italiano. Quando cheguei fui logo trabalhar para um restaurante, isto porque me deparei com uma grande burocracia para conseguir trabalhar na minha área. Basicamente a minha licenciatura aqui não era válida e tive de fazer alguns exames de equivalência, o que ainda demorou. Este trabalho em específico, comecei há quatro anos.
NM: E como é o teu trabalho agora? Gostas do que fazes?
MS: Eu trabalho como educadora num lar, faço com os idosos a estimulação cognitiva e a assistência aos problemas do comportamento. Por um lado, é muito recompensador, os idosos enchem-me o coração e dão conselhos mesmo sábios. Eles dizem coisas muito bonitas que é uma pena que depois nos esqueçamos.
NM: Mas depois não é difícil lidar com a perda?
MS: Esse é o outro lado. É muito difícil para mim. E depois as pessoas dizem que é natural morrer, porque as pessoas já são mais velhas. Mas ainda assim, foram parte da minha vida. Eu sofri muito com isto do covid-19, não por mim, mas por eles e pelas famílias.
NM: Sentiste algum choque cultural quando te mudaste para aí?
MS: Na verdade a comida foi um problema no início, eu era muito esquisita. Não queria muito experimentar a gastronomia, mas agora não vivo sem (risos). E há uma coisa muito gira, que é a comida ser feita mesmo de raiz, ou seja, têm a cultura de fazer muitas coisas em casa, como o pão ou a massa.
NM: E em relação às pessoas, sentiste-te bem acolhida ou havia estigma por seres estrangeira?
MS: Para começar, Itália, tal como Portugal, tem zonas muito diferentes. Esta zona não é bem o que se vê nos filmes, aqui as pessoas são um bocadinho mais fechadas e, além disso, estou em Lovere, que é uma pequena cidade onde todos se conhecem, e, portanto, as pessoas estavam muito curiosas comigo. Esta é uma zona de montanha e lago, tem umas 5 mil pessoas. É impossível sair de casa e não cumprimentar montes de pessoas.
NM: Ou seja, saíste da Maia, que é um centro urbano, para um ambiente quase rural. Gostaste da mudança?
MS: No início foi um grande choque porque não estava habituada. Às vezes tinha saudades de sair de casa e não ter de falar com ninguém. Eu estava habituada à vida no Porto, da noite e das festas, e aqui é tudo muito tranquilo. Quando cá cheguei disse aos meus pais que não ia aguentar. Eu abria as janelas, via as montanhas e achava que ia sufocar. Agora vejo as montanhas e percebo que tenho mesmo muita sorte.
NM: Do que é que mais gostas aí?
MS: Eu nunca fui uma pessoa que gostasse de natureza e de caminhar, mas agora é o que mais gosto de fazer aqui. Poder sair de casa, fazer uma caminhada na montanha, apanhar castanhas e cogumelos. Adoro mesmo este contacto com a natureza, e a neve!
NM: E de que é que tens mais saudades em Portugal?
MS: Eu sempre que posso apanho um avião e vou a Portugal. Tenho saudades dos meus pais, da minha família, das minhas amigas. Tenho saudades do Porto, sempre. Eu sou muito afeiçoada a casa, acho que nunca ninguém me vai ouvir dizer que prefiro Itália ou os italianos. Tenho um orgulho imenso em ser portuguesa, até chateia as pessoas!
NM: Os italianos sabem onde fica o Porto ou só conhecem a capital?
MS: É engraçado. Eu noto muito a diferença desde que cheguei cá e isso tem que ver com a evolução de Portugal. Quando cheguei, as pessoas não sabiam onde ficava o Porto e até achavam que nós falávamos espanhol. Mas agora toda a gente sabe onde é o Porto e o Algarve.
NM: Bérgamo foi um dos primeiros epicentros da pandemia. Como é que foi passar por tudo isto, ainda por cima trabalhando num lar?
MS: Eu lembro-me do dia em que nos apercebemos que a coisa ia correr mal. Um dia chegámos ao lar e recebemos indicações de que teríamos de usar luvas e proteções. Tenho a memória perfeita de um senhor idoso, com demência, dizer-me que “este vai ser o nosso fim”. Eu fui para casa a pensar naquilo e a achar que não ia ser nada de especial. Mas de repente os casos aumentaram muito, os nossos vizinhos a morrer, os sinos, as ambulâncias. Acho que ninguém tinha noção das proporções que este vírus ia tomar.
NM: E, no teu caso, tendo um problema de saúde nos pulmões, tiveste medo?
MS: Eu tenho Bronquiectasias Crónicas, um problema pulmonar grave que não é considerado uma doença, mas sim um sintoma. Toda a situação do covid foi muito assustadora porque eu tive um contacto com um positivo logo ao início. Fui logo para casa e, por causa deste problema de saúde, foi-me permitido ficar em casa de março a setembro. Isolei-me completamente. Os médicos disseram-me que, tendo problemas respiratórios podia apanhar a doença de uma forma mais grave. Mas felizmente não aconteceu nada de grave e agora está tudo muito mais tranquilo.
NM: Para terminar, tencionas voltar para Portugal?
MS: Por um lado, gostava. Mas, por outro, tenho aqui uma grande qualidade de vida. E mesmo a questão médica, aqui fiz uma série de procedimentos que me deixaram muito melhor de saúde e já há quatro anos que não tenho crises graves. Depois o meu namorado tem uma empresa e não seria fácil. Gostava de voltar, mas, por agora, não vai acontecer.