1.- passou o mês de maio. em maio comemos as cerejas ao borralho. o maio de dois mil e quinze não foi bem assim. tivemos momentos de algum calor. muito mesmo. mas não era disto que queria falar. também não será do livro do meu amigo pedro baptista. publica agora o segundo volume da sua historia. o primeiro já li. e gostei. gostei de relembrar muitas coisas do passado. e aprender com o pedro. porque ele ensina. sempre nos ensinou a todos. o pedro é um filósofo. mas sempre foi um homem de ação. por isso estou interessado no seu segundo volume. o primeiro chama-se da foz ao grito do povo. a foz é onde o pedro vivia com os pais. o grito do povo era um jornal. pertenceu a uma organização política. muito ativa. o primeiro volume conta a sua história desde que nasceu. até ao vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro. constitui um belo retrato do seu passado. o pedro sempre foi assim. vale a pena ler o seu primeiro volume. não só por razões históricas que aqui não vou abordar. mas pelas longas laudatórias que o pedro faz questão em lá colocar e que são bons ensinamentos. eu aprendi. por isso vou ler o segundo volume. sabem o que eu penso. todas as pessoas deviam ler estes volumes do pedro. faz parte da sua vida. da nossa vida. da vida dos estudantes do porto. da vida contra a ditadura. da vida deste porto cidade.
2.- agora que iria falar do primeiro de maio de mil novecentos e setenta. sabem onde é a rua sampaio bruno no porto. aquela que agora é para peões. nessa rua nesse ano passavam automóveis e elétricos. e já existia a casa da sorte. era um dia em que eu embora estudando nunca fui às aulas. era o primeiro de maio e eu não trabalhava nem estudava. era assim pronto. estava tudo disposto para a comemoração do dia do trabalhador. não era feriado como agora. nós os que reuníamos na clandestinidade sabíamos o que tínhamos de fazer. manifestarmo-nos pela liberdade e democracia. há e contra a guerra colonial. eu não estava na clandestinidade. reunia na clandestinidade. nas reuniões inter associações de estudantes do porto. as associações eram proibidas. existia só uma ou duas permitidas. uma era a da faculdade de farmácia. voltemos a sampaio bruno. sim à rua com esse nome. junto à casa da sorte ia eu mais o teixeira de sousa. em direção à praça da liberdade. onde nos manifestaríamos e fugiríamos da policia de choque. como me sentia perseguido olhei para trás. tive tempo de o dizer ao teixeira de sousa. ele era meu colega no instituto industrial do porto. penso que pertencia ao partido comunista português. eu não. nessa altura a nada pertencia. então vinham dois homens atrás de nós. quando se aperceberam socaram-nos na cara. mas o pulso deles era de ferro. caí no intervalo entre dois automóveis. levantei-me e fugi para um lado e o teixeira de sousa para o outro.
3.- para a tropa castigado. entrei no quarto turno de setenta. castigado pois. mas sempre por amor ao evangelho. como hoje o que faço. embarquei para angola. ainda fui à foz do douro encontrar-me com uma pessoa. ela me passaria para frança. onde o fernando morais estava à minha espera. mas as perguntas da pessoa foram tais que recusei responder. e quando vieram ordens para embarque para angola já não podia voltar atrás. assim para a guerra. lá no primeiro de maio de mil novecentos e setenta e dois numa coluna militar. íamos dezassete. a estrada era boa. do antigo luso para henrique de carvalho. foi na volta. quase junto a um dos nossos quarteis. uma violenta emboscada. morreram nove. não morri. mas sofri. ainda hoje trago este dia na cabeça. um dos que morreu era de vila nova de gaia. o meu pai depois informou-me do funeral dele em gaia. só quando voltei é que informei a minha família de que eu ia na coluna militar.
4.- em maio comemos as cerejas ao borralho. eu posso comer. os nove que morreram não. e lembro-me sempre do primeiro de maio em que levei um murro. na rua sampaio bruno. e do pedro baptista sempre na luta. ainda hoje anda a lutar. e como as cerejas ao borralho.
Joaquim Armindo
Doutorando em Ecologia e Saúde Ambiental
Mestre em Gestão da Qualidade
Diácono da Diocese do Porto