As eleições presidenciais do passado fim-de-semana têm apenas um vencedor: Marcelo Rebelo de Sousa. Mas deixaram vários recados.
Com efeito, o actual Presidente da República conseguiu ser reeleito à primeira volta, de forma claríssima, com 60,7% dos votos, deixando todos os outros candidatos a grande distância. Ana Gomes, que alcançou o segundo lugar, ficou-se apenas pelos 12, 9 % dos votos, André Ventura pelos 11,9%, João Ferreira pelos 4,3%, Marisa Matias pelos 3,9%, Tiago Mayan Rodrigues pelos 3,2% e Vitorino Silva pelos 2,9%.
Sendo que para além de ter sido eleito com mais votos que em 2016, Marcelo conseguiu mesmo o feito de vencer em todos os concelhos do país. O que tudo lhe dá, obviamente, uma especial autoridade.
É aliás convicção geral, que apesar de contar com o apoio formal do PSD (de quem é originário e foi presidente entre 1996 e 1999) e do CDS/PP, bem como com o apoio de várias personalidades do PS, incluindo o Primeiro-ministro António Costa e o Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues, que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa é essencialmente uma conquista pessoal, designadamente da forma próxima, moderada e suprapartidária como exerceu o seu primeiro mandato presidencial. De tal forma que o Prof. Marcelo conseguiu votos da esquerda à direita, em todos os quadrantes políticos.
Por sua vez, Ana Gomes, destacada militante do Partido Socialista e ex deputada do Parlamento Europeu, mas que não contou com o apoio formal do seu partido, acabou por ficar muito longe do seu objectivo principal, que era forçar, pelo menos, Marcelo Rebelo de Sousa a uma segunda volta. Com Ana Gomes, também sai perdedor Pedro Nuno Santos, actual Ministro das Infraestruturas, e que era um dos seus principais apoiantes, e de quem se diz até, ter a ambição de suceder a António Costa na liderança do PS.
André Ventura, João Ferreira, Marisa Matias e Tiago Mayan foram candidatos diferentes. Formalmente apoiados pelas suas estruturas partidárias, disputaram estas eleições assentes numa agenda e programa político como se de umas eleições legislativas se tratassem. Pelo que os resultados que alcançaram aportam necessariamente consequências para os partidos de que fazem parte e representaram, ainda que em grau diverso.
Começando pelo líder do CHEGA, André Ventura, é certo que não conseguiu alcançar nenhuma das metas a que se tinha proposto (15% dos votos e o segundo lugar), mas não se pode dizer que tenha tido verdadeiramente “uma grande derrota”, pois ao obter cerca de 496.000 votos, conseguiu multiplicar por sete o número de votos (67.826) que o seu partido havia alcançado nas eleições legislativas de 2019! Daí que seja natural que este partido, cada vez mais ligado à extrema- direita europeia, se veja agora com ambições que vão muito para lá da representação que tem nesta altura na Assembleia da República. Aliás, André Ventura já o reclamou na noite das eleições, ao afirmar que um futuro Governo de direita teria de contar com o CHEGA!
Os actuais deputados do Parlamento Europeu, João Ferreira e Marisa Matias, sofreram derrotas pesadas, e por consequência, os partidos que representaram.
João Ferreira, candidato do PCP, apesar da boa campanha que reconhecidamente realizou, não conseguiu sequer manter o número de votos que o seu partido havia alcançado nas presidenciais de 2016, tendo perdido eleitores inclusive em concelhos onde os comunistas têm habitualmente bons resultados. Nos Distritos de Évora, Beja e Setúbal, claramente de esquerda, o candidato do Chega conseguiu até mais votos que o candidato do PCP, o que até há bem pouco tempo seria absolutamente impensável! Sendo todavia verdade que o Partido Comunista Português tem vindo a perder progressivamente eleitorado nos últimos anos, realidade que se vem acentuando desde que aceitou apoiar o Governo de António Costa, integrando a famosa “geringonça”.
Marisa Matias, apoiada pelo Bloco de Esquerda, que nas últimas presidenciais havia alcançado 469.582 votos, tendo sido uma das grandes surpresas de então, foi agora a grande desilusão. Para além de um desempenho menos conseguido durante toda a campanha, perdeu nesta eleição cerca de 300.000 votos relativamente a 2016. Pairou sempre a ideia que o Bloco deveria, desta vez, ter desonerado Marisa deste confronto, e ter apoiado Ana Gomes, que apareceu nestas eleições sempre mais próxima dos sectores mais radicais da esquerda. Não esqueçamos que o BE, ainda que temporariamente, abandonou a “geringonça”, tendo inclusive votado contra o último orçamento de Estado do Governo de António Costa…
Tiago Mayan, candidato da Iniciativa Liberal, conseguiu duplicar o resultado que o seu partido havia alcançado nas últimas eleições legislativas e que lhe tinha permitido eleger um deputado para a Assembleia da República. Novato nestas lides e com pouca notoriedade pública, Mayan teve um bom desempenho durante a campanha eleitoral, deixando a sensação de que a IL está a crescer, designadamente entre o eleitorado mais urbano.
Quanto ao repetente Vitorino Silva, teve agora menos cerca de 30.000 votos que em 2016, mas conseguiu ficar em quarto lugar nos Distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Vila Real, Bragança e Viseu…
Em conclusão, é evidente a derrota da esquerda, designadamente da mais radical, nestas eleições. Da mesma forma que é inequívoca a vitória do centro (centro esquerda e centro direita), mar onde, ideologicamente, navega Marcelo Rebelo de Sousa, e espaço social e político que maioritariamente lhe manifestou apoio.
Uma outra novidade destas eleições, que não deve ser ignorada, é o crescimento do movimento populista de extrema-direita, liderado por André Ventura, que juntando vontades de várias proveniências, que se alimentam essencialmente em protestos por ausência de respostas pelo actual regime, e designadamente dos partidos tradicionais, tem aqui uma aparente janela de oportunidade.
O que tudo se poderá traduzir em mais um problema para a direita moderada nacional (e até para o centro…), tanto mais que o CDS/PP parece não conseguir travar a acentuada erosão a que vem estando sujeito e a Iniciativa Liberal não parece capaz de se tornar um parceiro suficientemente robusto nos tempos mais próximos. Vamos aguardar…
São assim muitos os desafios que se vislumbram na política portuguesa, não só pela grave crise social e económica que se adivinha em função da actual pandemia, mas também pelas novas configurações que se começam a perspectivar nas relações de força do nosso xadrez partidário.
Sendo que os movimentos radicais não se combatem com lamentos e ruído, mas com argumentos e respostas assentes em ideias claras e factos.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe-o bem. O seu discurso de “vitória” na noite das eleições foi, aliás, claro. Pelo que não me surpreenderia que aqui e ali, viéssemos a ter um Presidente da Republica algo diferente, neste segundo mandato do Prof. Marcelo…
Paulo Ramalho