A religião é uma (re) ligação de uns com os outros, de todos com a Criação. Mas também uma (re) ligação (tornar a ligar) com aquilo que nos transcende ao todo e a cada um. Daí a suma importância na construção da cidade que assume a religião. Se tomarmos como significando a religião, um tornar a ligar as nossas consciências, o nosso ser ontológico, haveremos de sentir que todos temos esta (re) ligação, este assumir a nossa vida pela completitude da visão da Criação, então teremos que assumir essa (re) ligação tantas vezes cortada com todos os seres bióticos, abióticos e inertes existentes na cidade. Sem essa assunção ficaríamos vazios, porque não somos criados para viver isoladamente, ninguém é uma ilha e pode viver como uma ilha. Os seres vivos (todos) e até aqueles que consideramos inertes, mas que possuem uma entidade ecológica, interagem connosco. Vejam-se as pedras de um castelo, ou as memórias escritas, ou os monumentos, todos eles falam desta interligação (a (re) ligação) com um passado presente, por isso nos estimula ao diálogo, eles fazem história e estão inscritos nas nossas vidas. Fazem cidade, a cidade em que nós vivemos, sem eles seriamos seres sem passado, nem presente, nem futuro. E todos os seres vivos ou inertes convergem para um estado de vivência, dessa (re)ligação, dado que é uma ligação que tantas vezes interrompemos nas nossas vidas.
O que normalmente pensamos ser a religião é um conjunto de crentes que acreditam em alguma coisa superior a cada um ou cada uma. E, de facto é, mas é-o na medida em que acreditamos em nós, como um plano de cuidadores da Terra e da sua vivência. A cidade que o é, acredita nisto, pode alguém afirmar que acredita em como não acredita num Ser Superior, que criou do “nada”, tudo, mas acredita. E o “nada” em si, já é alguma coisa, por isso o sentimos tantas vezes na cidade, porque não há multiplicidade de memórias, de questões, e por isso não existe a unidade no essencial. Veja-se que o nada, o zero, não consegue multiplicar nada, qualquer número a multiplicar por nada é nada, daí que o “nada” é a indiferença perante a cidade, constituída por seres ontológicos, que são vida e que dão vida, mesmo que esta “vida” nos pareça inexistente.
As religiões, as que acreditam no Ser Supremo, que pode ter o nome de Deus, são fundamentais para o equilíbrio da sociedade, se forem fautores de fraternidade e amizade para com todos, tenham ou não uma crença. É no diálogo das diversas opções e sentimentos religiosos que se formam, ou deveriam formar, uma maior fraternidade a amizade, com a necessidade de opiniões diversas que se se opõem a qualquer forma de dominação. As religiões, como o teólogo Hans Küng refere, no seu livro “Projecto para uma Ética Mundial” (1990) são as causadoras da Paz ou da Guerra, e quando terminarem com as guerras, haverá Paz no Universo. Assim também será na cidade. Não podemos esquecer que a indiferença, o salve-se a si mesmo, o eu tenho a verdade toda, é uma forma de guerra, que determina uma antiética, como forma de vida. Por isso mesmo, ninguém pode ficar indiferente, pode ter ideias diferentes, mas isso é capacitador do diálogo. No seu artigo, escrito na Revista Concilium, número de setembro de 2020, Ralstom, Joshlia, “La Migración como momento Kairolóco para el Diálogo”, escreve: “ǃQué hermosas son las ciudades que superan la desconfianza enfermiza e integran a los diferentes, y que hacen de esa integración un nuevo factor de desarrolo!”.
As religiões na cidade, e, no caso concreto, na Maia, em Portugal, maioritariamente cristãos católico-romanos, não podem esquecer os outros cristãos de tradições diversas, e as outras religiões, pois é nessa sinergia que se encontra a floresta de ideias que leva a cidade a frutificar. Querer ser o dono da verdade, para o cristianismo, de qualquer tradição, é ofuscar a história da Salvação, enquanto fermentadora da libertação dos homens e das mulheres. As diferenças produzem o sal, que dá sabor ao Transcendente, à Iluminação Criadora de Jesus de Nazaré. Como com os cristãos, estes com outras religiões, são fruto de Paz e Fraternidade, da Amizade – como diz o bispo de Roma, na sua encíclica “Todos Irmãos” -, e que fomentam a concórdia na diferença.
As cristãs e os cristãos – eu sou cristão -, não podem ser fomentadores da guerra entre as suas “verdades” e a dos “outros”, mas é no ponto de encontro das diferenças que se encontra essa Amizade e Fraternidade de sermos todos irmãos e irmãs, vivendo na cidade, no país ou no universo.
A religião não é o inverso da Criação e da Salvação, mas a consciente humildade de reconhecer os erros que cometeu e comete, no seu quotidiano. Só assim a religião será uma (re) ligação com a cidade, de todos com todos. Ninguém é o melhor, embora o quisesse ser, mas é força determinante do diálogo para a beleza da Vida.
Joaquim Armindo
Pós-doutorando em Teologia
Doutor em Ecologia e Saúde Ambiental