1 – Depois de um ano de 2022 muito difícil para o sector agrícola, marcado pela crise inflacionista dos factores de produção e pela seca que assolou o território nacional, que culminou numa perda de rendimento do sector na ordem dos 12% relativamente ao ano anterior, os agricultores estão novamente confrontados com a incerteza e com a crise.
Cerca de 40% do território português está nesta altura em seca severa e extrema, sendo as regiões do Alentejo e do Algarve claramente as mais afectadas, com valores de percentagem de água no solo, segundo o IPMA, inferiores a 10%.
Aliás, o mesmo IPMA, classifica o passado mês de maio em Portugal continental “como muito quente em relação à temperatura do ar e muito seco em relação à precipitação, tendo sido o oitavo maio mais quente desde 1931”.
Esta situação está a afectar fortemente a actividade agrícola, comprometendo muitas das culturas de primavera-verão e em particular a produção pecuária, que sem acesso a pastagens e água, enfrenta muitas dificuldades em assegurar a alimentação animal. A alternativa é o recurso a feno e rações, todavia com custos bem mais elevados, pelo que muitos dos agricultores estão já a optar pela venda do seu efectivo animal.
A perda de rendimento para muitos agricultores é assim já uma certeza, novamente, este ano. A própria Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, o reconheceu no despacho que assinou no passado dia 5 de Maio.
2 – Ora, uma boa parte do território da nossa vizinha Espanha também se encontra em seca severa e extrema, e os seus agricultores igualmente numa situação difícil. Todavia, com uma grande diferença: enquanto o Governo português ainda anda a “estudar novas medidas de apoio aos agricultores e produtores pecuários” para enfrentarem a situação de seca, como noticiou a Agência Lusa em 17 de maio e está à à espera que “a Comissão Europeia permita o uso dos instrumentos disponíveis na Política Agrícola Comum para ajudar os agricultores a fazer face à situação de seca”, conforme referia o Jornal Eco de 23 do mesmo mês, o Governo espanhol já tem aprovado, desde o dia 11 do também mês de maio, um pacote de medidas de apoio aos seus agricultores no montante global de 784 milhões de euros, que só em ajudas directas de Estado atinge os 636 milhões de euros.
O Governo espanhol não ficou à espera que chovesse ou que outros acudissem ao desespero dos seus agricultores. Agiu no tempo certo e por iniciativa própria. Ao invés, o Governo português andou tarde e devagar, e sempre à espera do dinheiro da reserva de crise agrícola que vier a distribuir “Bruxelas” pelos Estados-membros mais afectados pela seca, que deverá rondar os 330 milhões de euros a repartir pelos mesmos.
Como já nos habituou, o Governo liderado por António Costa é bom a alimentar expectativas, mas fraco a concretizar. E este é de facto um problema sério para a generalidade dos portugueses, mais ainda para os agricultores em particular, pois quando as ditas ajudas chegarem, se chegarem, já será, como se verificou num passado recente, demasiado tarde.
3 – No passado dia 17 de maio, a Sra. Ministra da Agricultura referiu, em declarações prestadas à comunicação social, que era sua convicção de que não iria “faltar água para a agricultura portuguesa este ano, não sendo necessário tomar medidas drásticas, por enquanto”. Entretanto, passados oito dias, a mesma Sra. Ministra, Maria do Céu Antunes, anunciou a publicação de um despacho que não autoriza mais culturas de olival, abacate e frutos vermelhos no Alentejo e no Algarve enquanto continuar o ciclo de seca severa.
Por sua vez, o Ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, recentemente, e depois da decisão de reduzir em 20% a quota de água para a agricultura nas barragens de Odeleite e Beliche, anunciou a possibilidade de serem impostas novas restrições ao setor agrícola…
Ora, a agricultura é um setor absolutamente prioritário e estratégico para qualquer país que pretende afirmar a sua soberania de forma plena.
Porém, sem água, não é possível fomentar a produção agrícola e garantir a nossa segurança alimentar.
E recorde-se, que apesar de toda a resiliência e labor dos nossos agricultores, ainda temos um défice na nossa balança comercial alimentar bastante elevado…
São urgentes medidas estruturais que respondam às alterações climáticas, que são cada vez mais uma realidade clara no território nacional.
Temos de ser capazes de promover a retenção e armazenamento da água e de a levar onde é realmente necessária. Alargar a área agrícola de regadio. Continuar a trabalhar em soluções que promovam uma utilização integrada e mais eficiente dos nossos recursos hídricos.
O Governo tem à sua disposição um instrumento financeiro que poderia ser absolutamente decisivo para uma resposta eficaz a estes desafios, que é o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), mas não tem manifestamente vontade política para tal.
Sendo que em boa verdade, não basta ter vontade, é também preciso saber planear e ter capacidade de executar.
Recorde-se o Plano Nacional de Regadios, apresentado em 2018, que pretendia criar 90 mil hectares de regadio até 2022, através da construção de novas infraestruturas e da reabilitação de outras já existentes, mas danificadas, e cujo prazo foi alargado por este Governo para 2025. E que nesta altura terá uma execução de pouco mais de 50%.
Aguardamos com expectativa o prometido licenciamento simplificado para a construção de charcas e pequenos reservatórios de água para fins agrícolas…
Paulo Ramalho