O jornalismo-espectáculo
O jornalismo, para ser credível como meio de comunicação deve assentar em três pilares básicos: ética, isenção e credibilidade. Actualmente assenta em dois: jogos políticos (em sentido amplo do termo) e visualizações.
Na verdade, muito fruto da época em que vivemos, o jornalismo, mais que o veículo de divulgação de informação por excelência, tornou-se um dos veículos preferenciais – pela sua abrangência – para a formação maciça da opinião pública. Ou, em alguns casos, formatação.
Os media procuram as capas mais apelativas, os melhores sound bites e na sua forma digital assistimos à exponencial ascensão dos “clickbaites”. Geralmente descontextualizados, munidos despudoradamente do eufemismo ou do disfemismo, os “caça-clique” são isso mesmo: títulos apelativos que estimulem a curiosidade dos leitores de forma a fazê-los clicar na notícia para ler do que se trata. E resulta!
Estaria inclusivamente encontrado o mecanismo de marketing digital da primeira metade do século, não fosse ser utilizado principalmente pelo meio de comunicação social que mais se quer rigoroso e imparcial. Quanta ironia. Assim, onde seria de esperar rigor informativo agora encontra-se um certo desapego pela verdade dos factos.
Hoje não se informa imparcialmente. Escolhem-se alvos. Hoje não se relatam factos. Descontextualiza-se e adultera-se a realidade.
Pratica-se a desonestidade intelectual em nome de interesses, sejam eles económicos, políticos, futebolísticos, ou jurídicos. Muitas vezes todos em conjunto.
Quanto àquele último, a promiscuidade entre justiça, jornalismo e entidades – sejam estas públicas ou privadas – é verdadeiramente um dos cancros do nosso tempo. Assumindo contornos verdadadeiramente alarmistas.
A simpatia que os leitores nutrem pelos denunciados é considerada inversamente proporcional ao seu grau de culpa. Simpatia essa que muitas vezes não lhes é sequer intrínseca mas fabricada pelos “opinion makers”.
Por outro lado a enorme difusão dos acórdãos jurisprudenciais e seus autores, ou a constante e inadmissível violação do segredo de justiça, condiciona, quer queiramos (e eles queiram) quer não, a conduta dos magistrados e procuradores no exercício da profissão.
Ponto de ordem: Não se pretende aqui questionar a capacidade de discernimento dos leitores aos conteúdos informativos que todos os dias lhes invadem os meios de comunicação. Porque na realidade se nem o jornalismo consegue ser imparcial, quando deveriam ser sinónimos, porque razão os leitores haviam de o ser?
Nem se pretende tão pouco vitimizar os alvos da comunicação social, que inúmeras vezes colhem o que semearam. Pretende-se antes alertar para os perigos da imprensa moderna e para o descrédito em que o nosso jornalismo está a decair. O “não deixes que a verdade estrague uma boa história” apanágio de alguma comunicação social está a destruir a forma como assimilamos a informação. E a deturpar a própria definição de verdade factual.
Por fim aplaudamos os jornalistas e a imprensa que ainda pautam a sua conduta pela ética, pela isenção e pela credibilidade. Porque provavelmente vendem menos, são menos lidos, têm menos contratos publicitários, sofrem mais pressões, mas mantêm o firme propósito de informar com rigor os seus leitores. E porque sabem que as melhores histórias são as que acontecem de verdade.
A autora escreve segundo a antiga ortografia
Angelina Lima