O Padre Rui Alves é o novo pároco de Pedrouços. Aos 37 anos, chega à Maia com o grande desafio de participar na construção de uma nova igreja na paróquia, sucedendo o Padre Augusto Guedes Pinto, que completou 92 anos.
Natural de Penafiel, o padre Rui Alves abraça agora uma nova casa, após nove anos junto das paróquias de S. Romão do Coronado, S. Mamede do Coronado e Muro. Foi na Trofa que celebrou desde a sua ordenação, a 10 de julho de 2011.
Completou o Mestrado em Teologia na Universidade Católica e, antes de terminar o seminário, passou pela profissão de professor, curiosamente na Maia.
O NOTÍCIAS MAIA falou com o pároco recém-chegado para conhecer um pouco daquela que é a sua história. Entre vários assuntos, abordamos as maiores dificuldades do sacerdócio e os problemas da humanidade.
Recentemente, foi notícia por ter doado 80 mil euros destinado a obras nas suas paróquias, ao Hospital de São João.
NM: Começamos pelo início. Como é que decide ingressar pelo caminho do sacerdócio?
Padre Rui Alves (PRA): Essa foi uma decisão que fui tomando ao longo da vida. Não houve propriamente um momento, foram vários momentos que me levaram a essa resposta. Eu entrei no seminário, estive lá dois anos e depois saí. Entretanto, terminei o curso na Universidade Católica, andei pelo mundo do associativismo, fiz voluntariado e dei aulas na Maia, onde fui muito feliz.
NM: Como foi essa experiência de ser professor?
PRA: Foi estranha. Saí da faculdade, onde era aluno, e passei de repente a ser professor. Tinha 24 anos. Eu já respeitava muito os professores mas, depois daqueles dois anos, respeito muito mais. Foi muito gratificante.
NM: Como é que foi a reação da sua família e amigos à sua decisão do caminho sacerdotal?
PRA: A reação de quem é meu amigo e da minha família foi uma reação feliz. Não especificamente por ser sacerdote, mas acima de tudo por me verem feliz. Eu tenho um leque de amigos muito amplo, desde crentes, não crentes, de esquerda, da direita, por aí fora, e é realmente bom perceber que todos eles acabaram por estar felizes.
NM: Em algum momento pensou em deixar de ser padre?
PRA: Há momentos de tudo na nossa vida. Eu não sou daqueles que acredita que hoje é assim e vai ser sempre. Todos os dias procuro que Deus fale em mim e que fale nos outros e eu o escute. Já houve momentos duros nestes nove anos enquanto padre, e eles vão continuar a existir. Também há momentos muito bons e eu acho que isso faz parte. Eu todos os dias me quero refazer enquanto padre. Isto é, quero todos os dias corresponder com a minha vida ao “Sim” que dei oficialmente no dia 10 de julho da minha ordenação.
NM: O padre abraça agora um novo projeto em Pedrouços. Como é que surge este convite para a Maia?
PRA: O sr. Bispo entendeu que estava na altura de sair da Trofa. Não foi uma questão de escolha porque no dia da nossa ordenação nós prestamos obediência. Falamos muito da questão da abstinência sexual mas a obediência é um dos desafios maiores que nós temos. Ser obediente não é fácil. Contudo, se não formos obedientes não faz sentido fazermos parte de uma Igreja que, mesmo que possa ter mil e um defeitos, é uma Igreja que já existia antes de mim e que vai permanecer depois de mim.
NM: Esteve na Trofa desde a sua ordenação. Custou-lhe muito despedir-se?
PRA: Custou-me muito deixar aquelas comunidades porque me envolvi e me dei. Foi duro.
NM: As pessoas acabam por afeiçoar-se ao padre?
PRA: Se um padre for só para celebrar a eucaristia, sendo que a eucaristia é o centro de tudo o que é a vida da comunidade e do padre, não faz sentido. Eu era daquela gente e quero que assim seja também aqui em Pedrouços. Eu agora sou maiato, sou de Pedrouços, e é este povo que me foi confiado e que vou amar.
NM: É ser parte da comunidade?
PRA: Sim, é sorrir e chorar. É fazer perceber que a Igreja está para todos. Não está para tudo nem acolhe tudo. Mas acolhe todos. É essa a Igreja que eu acredito em Jesus Cristo. É essa a Igreja que o Papa Francisco tantas vezes tem pedido, que saia ao encontro e que se deixe encontrar.
NM: Foi notícia ao doar 80 mil euros que estavam destinados às obras das suas paróquias ao Hospital de São João. Como é que surgiu esta decisão?
PRA: O dinheiro estava destinado a obras que são necessárias mas que não são urgentes. Na altura, com todas aquelas notícias eu pensei que nós podíamos ser sinal. Não tinha noção do alcance e impacto que isto ia ter. Eu senti que aquele gesto poderia levar a que outros gestos acontecessem. Temos que dar pouco de nós, não só palavras, para que o mundo possa ser um pouco melhor. Depois daquela ação, gerou-se uma onda de solidariedade incrível.
NM: Nesse sentido, e falando um bocadinho da atualidade, qual pensa que foi o impacto da pandemia na igreja e nas comunidades?
PRA: Eu acho que ainda não percebemos muito bem o impacto. A Igreja vive no mundo e na sociedade e acho que só vamos entender o impacto daqui a alguns anos. Uma coisa que sei, e que não tem que ver necessariamente com a pandemia, é que só damos falta quando não temos. A pandemia está a trazer ao de cima aquilo a que temos alicerçadas as nossas vidas e a nossa sociedade. É isto que queremos? Esta indiferença nas relações? Este abandono aos mais velhos? Esta impessoalidade nas relações? Este stress que nos consome? Eu acreditei que este momento poderia ajudar a refletir. E aí a igreja tem uma oportunidade. Não para se impor, mas para se propor.
NM: A fé em Deus torna-se importante em momentos onde somos colocados à prova?
PRA: Depende. A fé não é uma coisa que se alcance ou que se compre. A fé é a nossa vida diária. Há muitos momentos da nossa vida onde somos confrontados, com a morte de alguém, com um problema de saúde ou com o sentido da vida. Claro que neste tempo a fé pode ser importante, porque é um horizonte, porque há esperança e porque confiamos em Deus.
NM: Um padre também perde a fé em alguns momentos?
PRA: Um padre não perde a fé mas há momentos de crise e de falta de fé. Há algumas noites escuras na vida da fé. Mas também acredito que isso só aconteça a quem procure. Vemos algumas pessoas que parecem ter a fé como uma coisa quase inquebrantável. E isso não existe.
NM: É preciso procurar e querer saber?
PRA: Todos os dias. Todos os dias procuro o porquê de querer acreditar em Jesus Cristo. Todos os dias procuro perceber porque é que quero ser padre.
NM: E todos os dias tem essa resposta?
PRA: Às vezes não. Às vezes tenho muitas dúvidas, que são importantes. Já viu o que é um vaso com flores se a água não for mudada de vez em quando? Fica estragada. A nossa vida é igual. Devemos encarar o momento com um dom, porque não se repete.
NM: Acha que vamos sair melhores disto?
PRA: Penso que não. Digo isto porque tenho visto sinais contrários àquilo que pensei que iria acontecer. As pessoas estão stressadas na rua e afastam-se. Tenho muito medo do que possa vir por aí no futuro. Estamos a educar as crianças na escola para não se aproximarem. E nós somos pessoas de abraçar e tocar.
NM: Quais são as maiores dificuldades da vida do sacerdócio?
PRA: A humildade. E talvez o facto de vivermos uma certa incompreensão e ingratidão, que é o Mistério da Cruz. Jesus Cristo foi entregue pelos seus, por aqueles que o seguiam. Judas vendeu-o. Nós fazemos o mesmo permanentemente. Não existe fé se for só praticada na Igreja, é preciso que esteja nos pequenos gestos.
NM: Sente que o sacerdócio o completa por inteiro e que o faz feliz?
PRA: Completamente. Olho para estes nove anos enquanto sacerdote e sinto-me feliz. Há momentos muito duros, de solidão. Mas é uma solidão necessária.
NM: Li que fez recentemente uma viagem a Auschwitz e Birkenau. O que é que lhe ficou dessa viagem?
PRA: Transformou-me. Fui com amigo meu, de mochila às costas durante três dias só para visitar Auschwitz e Birkenau. Fomos como peregrinos.
NM: Transformou-o em que sentido?
PRA: Ainda não sei. Hoje dou comigo a relativizar muitas coisas e a olhar sinais do nosso tempo e a perceber que isto é cíclico. Quero lá voltar permanentemente para curar feridas. Ali percebo como a humanidade pode ser tão má. E nós não sabemos quase nada daquele tempo, não se ensina nas escolas. Aquele é o sítio do indizível. Aquilo foi uma máquina aperfeiçoada ao limite para matar pessoas. Não bastava tirar-lhes a vida, tiravam-lhes a dignidade. Os extremismos, sejam eles de que ordem forem, conduzem a muros.
NM: Disse-me que esta viagem o fez perceber como a humanidade pode ser má. Qual pensa ser o maior problema da humanidade nos dias que correm?
PRA: Na minha perspetiva, há duas coisas muito más no ser humano: o ciúme e a intolerância. A intolerância de não aceitar o outro como ele é e querer fazê-lo à minha medida. E o ciúme que mata e destrói. Nós temos muitos sinais à nossa volta que não queremos ver. Temos os bairros sociais onde estão pessoas. Muitas vezes nós, sociedade, olhamos para aquela gente como se fossem delinquentes. Ali estão adultos que têm que lutar pela sobrevivência. E o que é que fazemos para fazer isto diferente? Arrumamo-los para canto. As nossas prisões estão cheias de gente boa que não teve oportunidade e, mesmo a própria igreja, deveria fazer mais.
NM: Qual será o futuro da Igreja? Haverá alguma mudança estrutural?
PRA: A Igreja está sempre a mudar porque vive na sociedade e no mundo. Agora, dentro da Igreja, há muita diversidade. Existe ganância mas, olhando com atenção, há tanta coisa boa. Eu não tenho medo do futuro da Igreja nem acredito que ficará sem ninguém. Será diferente. A nossa cultura ocidental é uma cultura que vive muito do imediato. A Igreja faz uma proposta a longo prazo, de futuro, de compromisso. Esta cultura do consumismo está a destruir as nossas raízes e a fazer com que as pessoas não percebam que estamos a ser controlados pelo já, pelo agora e pelo ter. A Igreja, no meio de isto tudo, continua a ser uma instituição conservadora, e ainda bem, porque continua a conservar princípios e valores muito importantes.
NM: E como é que fazemos um “reset” e voltamos aos nossos valores base?
PRA: O mundo nunca foi perfeito, isso nunca existiu. Mas cada um de nós pode fazer a diferença. Havia alguém que dizia que as verdadeiras mudanças, no mundo e na humanidade, não se fazem com revoluções. A revolução traz guerra e ódio. Mas fazem-se com conversões. E a Igreja, acredito eu, deveria estar permanentemente na linha da frente nisto de saber olhar os tempo e, sem perder a identidade, acompanhar a mudança da humanidade. Agora, estalar os dedos e ficar um mundo perfeito, não existe, nem nunca vai existir.