No mundo digital que inevitavelmente nos impingem e nos colocam, tudo acontece numa velocidade estonteante, cada vez é mais difícil acompanhar o ritmo frenético do que está “in” e “out”, do que é verdade hoje e amanhã é mentira, do que é ou não politicamente correcto.
À velocidade da luz seguem-se nos blogs de moda ordens do “you must have”, e quando “you have”, já deixou de ser “in” e passou a ser “out”.
As redes sociais passaram a ser o “big brother” de inúmeras casas de Barbies e Kens. Elas estão sempre lindas, acordam com cabelos fantásticos e pele brilhante, viajam imenso, alimentam-se unicamente de comida saudável nos restaurantes da moda, os namorados, maridos e amigos deixam mensagens de amor eterno nos murais, durante a gravidez estão ou estavam deslumbrantes, os filhos apresentam-se maravilhosos e surgem sempre com poses aprumadas. Eles tem uns “six pack” perfeitos, divertem-se com os amigos em locais fascinantes, adoram passear o cão e estão sempre muito concentrados no infinito.
Acontece que a minha vida não é assim, ou seja, não tenho qualidade de vida suficiente para manter redes socais, já tentei e por uns tempos até consegui, mas depois reparei que cada vez aprecio mais uma boa lampreia, cozinhada num fogão a lenha e apresentada num tacho de ferro e que isso é muito complicado encontrar-se nos restaurante da moda. Azar dos azares estou a envelhecer a olhos vistos e com muita pena minha e de quem acorda comigo, acordo despenteada e com um aspecto de fugir, os meus filhos também são fantásticos como os do Instagram, mas são fruto de gravidezes nas quais eu parecia uma verdadeira baleia, é, não fui uma grávida fantástica.
Para agravar o meu processo de auto recruta para redes sociais, (sim, porque há um certo auto recrutamento de preenchimento de parâmetros obrigatórios para utilizadores de redes sociais), misturo preto com azul e no que concerne a gostos musicais, sou uma autêntica mixórdia de temáticas e géneros que vão desde Gun´s´Rose, Yann Tiersen, Expensive Soul, Bjork, passando claro, pelo “Loucos” de Matias Damásio.
A minha vida é vulgar como tantas outras, confesso que tenho uma técnica fantástica para estender roupa e que o meu estendal daria umas fotos espetaculares, mas isso não dá “likes” ou gostos, nem seguidores.
Pratico aqua bike nas piscinas municipais, mas isso é tão “out”, tão pouco fit, e quando viajo procuro conhecer a cultura do povo que me recebe, ficando sem tempo para fotos de postais turísticos. É tudo mau, vai dai resignei-me à vida analógica, aquela onde o “o essencial é invisível aos olhos”, tal como dizia o primeiro livro que li, (e sim vi um elefante dentro de um chapéu!).
Na vida analógica não há “loops” de feedbacks de gostos, “likes”, “twtees” e seguidores, o que acaba por ser uma seca, porque durante o dia há momentos de silêncio.
É a vida que nos coloca em contacto directo e cru com tudo, onde a nudez do tempo é vivida por si só. É falarmos com alguém dirigindo o olhar concentrado para os seus olhos e sentir que perdemos a extraordinária capacidade “multitask” de olharmos em simultâneo para o ecrã do telemóvel enquanto conversarmos, é viver o momento sem que a bateria do telemóvel nos aprisione, é saborear uma refeição independentemente do aspecto da sua apresentação, é sentir o ambiente que nos envolve, a magia da conversa, e acima de tudo sentir o prazer de uma vivência irrepetível.
A ansiedade dá lugar à paz e a vida que é demasiado curta para ser pequena, começa a ganhar dimensão real.
Quando acordamos a primeira coisa a que nos desafiamos é espreitar o tempo pela janela e a vida lá continua. Sem redes sociais, não sei porquê, mas comigo acontece, continuamos a ser convidados para jantares de turma e eventos.
É certo que no nosso aniversário só nos ligam uns cinco ou sete amigos, que uns quatro ou cinco conhecidos nos enviam uma sms, e que os tios, pais, primos e irmãos, continuam a insistir ouvir a tua voz.
No mundo analógico não se agrada a todos, não se é politicamente correcto, diz-se o que se pensa, veste-se o que se quer, tem-se rugas, pneus, celulite, compra-se nos chineses, vai-se ao Conga, estende-se roupa, lava-se loiça e por vezes tem-se uma vida fantástica.
Nota: o primeiro livro que li foi o “Princepezinho” de Saint Exupéry
Patrícia Sá Carneiro