Fruto do terrível aumento dos preços dos fatores de produção, designadamente dos combustíveis, fertilizantes, alimentos para animais e energia elétrica, muito superiores aos valores da média da inflação, os agricultores e produtores pecuários vivem hoje momentos muito difíceis, que estão a colocar em causa a sustentabilidade das suas explorações e a própria permanência na atividade.
Este cenário inflacionista, que foi fazendo caminho durante todo o ano de 2021, e que o Governo foi ignorando, atingiu números impensáveis a partir da invasão da Ucrânia pela Federação Russa.
De tal forma que em Portugal, o preço do gasóleo colorido, também conhecido por “gasóleo agrícola”, é hoje quase o dobro daquele que era praticado em janeiro de 2021. Os fertilizantes aumentaram nos últimos 18 meses cerca de 150%. As rações para alimentação animal ou mesmo as garrafas para o vinho, sofreram um aumento superior a 50%.
Para que se tenha uma pequena ideia do que estamos a falar, o custo total para produzir um litro de leite sofreu um aumento na ordem dos 53%.
Sendo que os agricultores, que em média recebem menos de 25% do valor final pago pelos consumidores, são cada vez mais, o elo mais fraco da cadeia de valor, estando completamente impossibilitados de repercutir no preço de venda dos seus produtos o aumento dos custos de produção.
Não é por caso que existe uma “Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar (PARCA)”, que tem por missão a promoção da transparência do mercado e o equilíbrio na distribuição de valor entre os diferentes setores da produção, da transformação e da distribuição dos produtos agrícolas e agroalimentares, mas que em bom rigor, sejamos claros, não funciona.
Acresce que cerca de 98% do território nacional está, desde algum tempo, em seca severa e extrema. O recente mês de maio, em termos meteorológicos, foi o mais quente dos últimos 92 anos. E quanto à chuva registada, não ultrapassou os 13% do valor normal para esta altura do ano.
O ano hidrológico 2021/2022 foi mesmo o segundo menos chuvoso desde 1931. A escassa precipitação na primavera condicionou o desenvolvimento vegetativo das pastagens e forragens. As reduzidas disponibilidades alimentares verificadas no pastoreio direto e nos alimentos compostos provocaram um impacto negativo nas explorações agropecuárias, o que tudo se vai agravar durante o Verão.
Daí que a seca que o país está nesta altura a sofrer seja também mais um fator a agravar a vida de grande parte dos agricultores, e designadamente das suas espectativas de rendimento. E não estamos a falar apenas no aumento dos custos no acesso à água e da necessidade de mais rações para alimentação dos animais…
É que fruto das elevadas temperaturas, muitos dos agricultores viram as suas produções fortemente afetadas, quer em termos de quantidade, quer de qualidade. São inúmeras as notícias de produções que se perderam, de prejuízos elevados e de riscos de insolvência.
Hoje, a atividade agrícola e a produção de alimentos não têm a atenção mediática de outros tempos. Os agricultores nos momentos de crise e desespero já não cortam estradas nem promovem grandes manifestações para fazerem ouvir a sua voz. Aprenderam a sofrer de forma solitária, junto da família, a esperar pela benevolência das entidades bancárias e por alguma “ajuda” do Estado e da União Europeia.
A “Política Agrícola Comum”, que Portugal, enquanto Estado-membro da União Europeia, tem a obrigação de implementar, procura garantir que os cidadãos europeus beneficiem de produtos alimentares seguros e a preços acessíveis, e ao mesmo tempo, que os agricultores sejam remunerados de forma justa pela sua atividade, quer como produtores, quer como cuidadores da paisagem rural e do meio ambiente.
Ora, o momento que vivemos nesta altura é, como todos já percebemos, de forte crise no setor agrícola e agropecuário, estando em causa não só a sustentabilidade das explorações agrícolas e pecuárias nacionais, mas também a nossa soberania e segurança alimentar, ou seja, a garantia de que os cidadãos portugueses continuarão a ter acesso a bens alimentares saudáveis e de qualidade, e a preços que possam efetivamente pagar.
Recorde-se que segundo o Eurostat, o preço dos produtos alimentares registou em Portugal um crescimento de 7,6% desde o início do ano.
Apesar do Governo português estar vinculado às regras da PAC e ter a obrigação de a implementar no território nacional, a verdade é que esta realidade não o exime da responsabilidade de promover políticas públicas complementares das comunitárias que promovam o desenvolvimento do setor agrícola e agroalimentar português, bem como da nossa segurança alimentar, e obviamente, de encontrar soluções para os desafios e problemas que o setor enfrenta. O Governo português não pode, nem se deve comportar como um simples gestor de “fundos comunitários”.
Em matéria de agricultura e desenvolvimento rural, os Tratados que regem a União Europeia instituem o princípio da “competência partilhada”. Ou seja, os Estados-membros podem legislar e estabelecer medidas complementares às da PAC.
Ora, tempos excecionais, como os de hoje, exigem soluções excecionais. E com todo o respeito, o Governo português não tem estado à altura das suas responsabilidades. Os apoios disponibilizados aos agricultores e produtores pecuários são claramente insuficientes e têm chegado de forma tardia.
Sem uma política pública nacional robusta, complementar da PAC, estou certo de que não será mesmo possível salvar da ruína muito dos nossos agricultores, ou seja, salvar o nosso potencial agroalimentar.
Pelo menos, no que respeita aos apoios aos custos com os combustíveis e com a energia elétrica, o nosso Governo tinha a obrigação de ter ido muito mais longe, como o fez por exemplo, o Governo espanhol, que está a conceder um desconto automático de 20 cêntimos por litro sobre o preço do “gasóleo colorido” desde o passado mês de abril e que até já decidiu manter até ao final deste ano.
Não é compreensível que as cooperativas agrícolas, que diariamente têm necessidade de fazer transporte de matérias-primas e produtos de e para as explorações agrícolas, não possam sequer beneficiar do denominado “gasóleo rodoviário”.
A nível do apoio aos custos com a eletricidade, o PSD propôs, em sede de discussão do Orçamento do Estado, a duplicação do apoio previsto na Lei nº 37/2021 para os produtores agrícolas e pecuários, tendo a sua proposta sido rejeitada pela maioria socialista!
E não se diga que é por falta de recursos que o Governo não é mais ambicioso na ajuda ao setor agrícola. Ainda há dias todos tomamos conhecimento que no primeiro semestre deste ano a receita fiscal do Estado aumentou 29% face ao mesmo período do ano passado. Sendo certo que no final do ano vamos ter um claro excedente na receita fiscal face ao previsto pelo Governo, pois o Orçamento do Estado que fez aprovar no passado mês de maio, está assente numa inflação de 4%, quanto todos sabemos que no final de 2022 a mesma inflação atingirá no mínimo os 8%.
Ainda sobre o período de seca que estamos a viver, claramente inserido no fenómeno das alterações climáticas, é bom que o Governo comece a tratar desde já do nosso futuro coletivo, implementando uma estratégia de aproveitamento e retenção dos nossos recursos hídricos e que seja capaz de fazer chegar a água onde faz verdadeiramente falta. Como alguém dizia recentemente, a “agricultura não gasta água, utiliza água”. De facto, sem água, não é possível produzir alimentos saudáveis…
Paulo Ramalho
1 comentário
Na minha opinião é os consumidores, porque os agricultores mais cedo ou mais tarde vão ser ressarcidos, e os consumidores não. Obrigado.