Estamos na segunda década do século XXI, e apesar do muito que já se avançou relativamente ao combate à pobreza e à fome, o mundo continua ainda muito desigual, designadamente no que diz respeito à produção e distribuição da riqueza e do rendimento. O dos portugueses, o dos europeus e dos outros todos. É a frieza dos números quem o confirma.
Comecemos pelo Produto Interno Bruto. Em 2013, os 28 países que integram a União Europeia, possuíam, no seu conjunto, 23,7% da riqueza mundial. Os Estados Unidos da América e a China detinham, respectivamente, 22,2% e 12,1% da mesma riqueza. Os restantes membros do G-20, ou seja, a Africa do Sul, a Argentina, o Brasil, o Canadá, o México, o Japão, a Coreia do Sul, a India, a Indonésia, a Arabia Saudita, a Turquia, a Rússia e a Austrália, eram responsáveis, no seu conjunto, por 27,2% do PIB mundial. Por sua vez, o resto do mundo, detinha apenas 14,8% da riqueza produzida. Situação que se manterá nos dias de hoje, mais ou menos inalterada.
Sendo que a União Europeia, com os seus 509 milhões de pessoas, representa apenas 7% da população mundial, que segundo os últimos dados, se cifra em cerca de 7,3 mil milhões de habitantes. E os Estados Unidos, não ultrapassam sequer os 320 milhões de pessoas.
Analisando agora o PIB per capita em valores nominais, que mais não é que o Produto Interno Bruto dividido pela quantidade de habitantes de um país, constatamos, de acordo com os dados fornecidos pelo Banco Mundial, que os Estados Unidos registaram em 2014 um PIB per capita de 54.630 dólares, enquanto na China, e em igual período, o mesmo PIB per capita não ultrapassou os 7.590 dólares. Por sua vez, também em 2014, o Japão atingiu um PIB per capita de 36.194 dólares, enquanto a Rússia, a Indonésia e a India se ficaram respectivamente pelos 12.736, 3.492 e 1.582 dólares americanos. Registe-se ainda o PIB per capita atingido pela Austrália e pelo Canadá, no valor de 61.980 e 50.231 dólares, comparado com o verificado em igual período, no Brasil, na Turquia, no México e na Africa do Sul, também países do G-20, e que não ultrapassaram, respectivamente, os 11.727, os 10.515, os 10.326 e os 6.484 dólares.
Em contrapartida, em 2014, no tal “resto do mundo”, países como a Tanzânia, Zimbabwe, Benim, Haiti, Comores, Serra leoa, Uganda, Burkina Faso, Mali, Nepal, Ruanda, Togo, Afeganistão, Moçambique, Etiópia, Guiné-Bissau, Somália e Guiné, não atingiram os 1.000 dólares de PIB per capita. E Libéria, Madagáscar, Republica Democrática do Congo, Gambia, Níger, Republica Centro Africana, Burundi e Malawi, nem sequer os 500 dólares americanos de rendimento per capita alcançaram.
É efectivamente um mundo muito desigual, este dos nossos dias. Mais ainda, quando o confrontamos com o PIB per capita de alguns países da União Europeia, como o Luxemburgo, a Dinamarca e a Suécia, que atingiram em 2014, também segundo o Banco Mundial, respectivamente o valor nominal de 111.613, 60.718 e 58.899 de dólares americanos. E a Irlanda, a Holanda, a Áustria, a Alemanha, a Bélgica, o Reino Unido e a França, que alcançaram todos, também durante o ano de 2014, valores de PIB per capita superiores a 42.000 dólares. Sendo que também no interior do espaço da União Europeia, também existem graves assimetrias. Segundo o mesmo Banco Mundial, a Bulgária e a Roménia não terão sequer ultrapassado os 10.000 dólares em 2014 de riqueza per capita produzida. E Portugal, ter-se-á ficado, em igual período, pelo valor nominal de 22.124 dólares americanos, o que terá correspondido, sensivelmente, a um PIB per capita de 78% da média dos 28 Estados membros da União Europeia.
Acresce que o PIB per capita, frequentemente considerado como um indicador do nível de vida de um país, para além de não ser verdadeiramente uma medida de renda pessoal, é simplesmente um indicador de média virtual, uma vez que a riqueza global produzida por um determinado país, decorrente da sua actividade económica, nunca é dividida ou distribuída de igual forma pelos seus habitantes. Nem sequer beneficia a todos de forma equitativa. De tal maneira, que estudos recentes, revelam até que tem havido um aumento acentuado da desigualdade a nível da distribuição da riqueza e do rendimento na generalidade do mundo.
A Organização Não Governamental Oxfam, suportada em diversos dados, entre eles do banco Credit Suisse, adiantou mesmo, há alguns meses atrás, que nesta altura, 1% da população mundial será já detentora de metade de toda a riqueza mundial, ou seja, 50% da riqueza produzida no mundo inteiro, estará hoje nas mãos de apenas 1% da população, enquanto que os outros 50% estarão divididos em partes desiguais pelos “restantes” 99% da população. E os 62 mais ricos do mundo serão possuidores de uma riqueza equivalente à detida pela metade da população mundial mais pobre, que se estima em 3 mil milhões de pessoas, o que revela uma concentração de riqueza verdadeiramente impressionante.
Acresce que entre 2010 e 2015, o património dos tais 62 mais ricos terá aumentado 44%, ao mesmo tempo que a riqueza dos 50% mais pobres da população mundial terá sofrido uma redução na ordem dos 41%. Sendo que de acordo com a mesma Oxfam, desde o inicio do século XXI que a metade mais pobre da humanidade beneficiou apenas de 1% do aumento total da riqueza mundial, ao passo que os 1% mais ricos partilharam de 50% desse mesmo aumento.
Segundo ainda um relatório produzido pela OCDE, na maioria dos países, a distância entre os mais ricos e os mais pobres, está ao nível mais elevado dos últimos 30 anos, com os 10% dos mais ricos a registarem, em média, 9,6 vezes o rendimento dos 10% mais pobres.
A verdade é que as desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento parecem estar a aumentar fortemente em todo o mundo desde o início da “grande recessão” de 2008, levando a concluir que “os ricos sairão da crise ainda mais ricos, tanto em termos absolutos como relativos, e os pobres, relativamente mais pobres.”
Em Portugal, verifica-se também um nível preocupante de desigualdade. Desde logo, a nível do PIB per capita, com a Região Norte a ficar-se, em 2014, pelos 65% da média da União Europeia e Lisboa a atingir os 106% dessa mesma média. Sendo que um estudo recente do Banco Central Europeu indicia que os 1% mais ricos de Portugal, possuirão nos dias de hoje, cerca de 25% da riqueza nacional. E que Portugal terá mesmo um dos índices mais elevados de desigualdade na distribuição de rendimento entre os países da Zona do Euro, o qual se terá agravado desde 2010, com os 20% dos portugueses com maiores rendimentos a auferirem 6,2 vezes mais que os 20% também de portugueses com rendimentos mais baixos…
Ora, a crescente desigualdade na distribuição da riqueza e rendimento é assim uma das maiores ameaças globais que o mundo dos nossos dias enfrenta. A concentração excessiva de recursos económicos numa minoria da população mina a confiança e a autoridade do poder político assente em democracias representativas. O poder económico está a separar cada vez mais as pessoas, o que torna inevitável o aumento de tensões, conflitos e rupturas sociais. Por outro lado, dadas as facilidades de mobilidade e acesso a informação dos dias de hoje, é perfeitamente natural que as pessoas procurem, cada vez mais, os territórios que oferecem mais bem-estar, melhor qualidade de vida.
Os argumentos dos radicais têm assim espaço para crescer fortemente no número de ouvintes, pelo que é bom que se repense rapidamente os nossos modelos económicos, que estão claramente a falhar, pelo menos a nível da redistribuição da riqueza…Sendo que esta matéria não deverá ser tratada apenas com perspectivas e preocupações meramente regionais ou nacionais…
Para o bem e para o mal, vivemos na era da globalização.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia