Recém-regressado do Fórum Económico Mundial, em Davos, em que participou, o brasileiro Jorge Arbache – professor da Universidade de Brasília, ex-economista sénior do Banco Mundial, em Washington, e ex-assessor económico do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico do Brasil, entre outros relevantes cargos na cena económica mundial – disse ao semanário Expresso que a presença do Presidente chinês Xi Jiping naquele conclave, sendo uma novidade, refletia a nova ordem do pensamento liberal mundial: é como se uma peça de teatro sobre a defesa da liberalização, do comércio, da liberdade, do livre fluxo de recursos na economia global, que pertencia aos Estados Unidos, tivesse passado para a China, com os Estados Unidos a colocarem-se na posição contrária, defendendo princípios protecionistas. Isto porque o que o Presidente Xi Jiping defendeu no seu discurso em Davos, e o impacto que o seu discurso teve, significa uma total inversão da ordem conhecida.
Esta inovadora posição da China contrasta sobremaneira com as mais recentes declarações políticas do novo Presidente norte-americano, Donald Trump, que nos seus pronunciamentos tem atacado sistematicamente a globalização da economia, ao abrigo da nova doutrina America first que pretende impor ao seu país, e em cujo contexto assenta a afirmação de um novo mas ainda incerto ciclo isolacionista na política interna e externa norte-americana.
Fora de Davos, mas ainda na Europa, estas transformações da ordem económica internacional também estão na ordem do dia e suscitam aos governantes de muitos países palavras e conselhos de moderação e prudência. Artur Santos Silva, o ministro português dos Negócios Estrangeiros é um deles, e é nessa linha que, justificando a realização, em Lisboa, do seminário “Um Euro para o crescimento e a convergência”, afirmou que os momentos de crise não são os mais adequados para ter respostas sistémicas, a não ser que apareça um Keynes, e não aparece todos os dias.
Parecendo que estão a falar do presente, Xi Jiping, Donald Trump, Jorge Arbache e Artur Santos Silva estão, na verdade, a falar do futuro: um futuro incerto e preocupante, que ninguém, nem recorrendo a uma qualquer varinha magica, está em condições de prever.
Este salto em direção a um futuro desconhecido pode ser entrevisto de outros ângulos e nas ocasiões menos esperadas: aqui, em Portugal, por exemplo, Luís Montenegro, líder parlamentar do Partido Social Democrático, disse à SIC Notícias numa entrevista recente, que a posição do seu partido sobre a polémica da TSU poderia repetir-se no futuro sobre outras matérias, se existirem as mesmas circunstâncias. É bom que o País saiba, e que os paridos que suportam o Governo no Parlamento saibam que não devem contar com o PSD para a consecução da política governativa.
Se o PCP e o BE quiserem fazer jogos políticos dentro da maioria – assegurou Luís Montenegro para enfatizar ainda mais a posição do seu partido – que o façam por sua conta e risco. Não contem com o PSD.
Os analistas e os comentadores políticos que enxameia os órgãos de comunicação nacionais políticos são genericamente unânimes em reconhecer que o PSD pode levar até às últimas consequências esta sua recente postura de firme oposição ao governo, votando outra vez ao lado de comunistas e bloquistas contra algumas medidas do governo. E colocam, à frente de várias outras, a questão das parcerias público-privadas na saúde, sobre as quais os sociais-democratas tinham, até agora, uma posição favorável.
Parece que, também aqui – e independentemente da justeza das suas posições sobre os temas em pauta ou da falta dela – já não vivemos a realidade do dia de hoje, mas sim a presumível realidade do futuro.
Parece evidente, pois, que tanto na ordem política e económica internacional, como na estrita esfera da política e da economia domésticas, vivemos um estranho hiato desconhecido: não vivemos o presente, que questionamos; não vivemos o passado, que recusamos; e não vivemos o futuro, que não sabemos ainda o que será.
É como se os países e os seus governos – ora inermes e passivos, ora em deriva sem nexo – flutuassem numa grande nuvem etérea, localizada algures, no invisível espaço tecnológico que invade e se apossa das nossas vidas todos os dias, sem que nada possamos fazer para o impedir, para o controlar, ou para o estimular.
É como se todos vivêssemos suspensos de tudo e indecisos em relação a tudo, sem saber o que de concreto nos trará o futuro, recusando o que de objetivo e real nos legou o passado, e sem que entre um e outro exista, como sempre nos habituámos a acreditar que havia, uma ponte fiável e segura entre o passado e o futuro – o presente em que coabitamos.
Joaquim de Matos Pinheiro