Terminadas as eleições Europeias de 2024, cabe agora uma análise sobre o processo piloto em Portugal que foi a utilização de cadernos eleitorais desmaterializados nas mesas de voto.
O projeto, da responsabilidade da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), permitiu o voto em mobilidade para todo o país que, perante um cenário de umas eleições com um alto índice de abstenção, foi uma lufada de ar fresco. Para além do voto antecipado, os portugueses puderam aproveitar o fim de semana prolongado sem receio de não poderem votar por se encontrarem longe da sua mesa de voto.
Como coordenador das mesas de votos e delegado às eleições pela Iniciativa Liberal (IL) da Maia, pude observar os impactos da implementação do projeto e recolher várias opiniões das pessoas envolvidas. Após os problemas que ocorreram durante a formação no dia 1 de junho, temeu-se o pior para o dia da eleição, mas salvo um pequeno período durante a manhã, pode-se dizer inequivocamente que a experiência foi um sucesso.
No entanto, há que proceder a algumas melhorias para dar mais confiança a todo o processo. Primeiro porque no período mais concorrido do dia o sistema colapsou e esteve lento durante cerca de uma hora. Tendo em conta que as Europeias não costumam ter muita afluência, acabou por não ser problemático mas, em eleições mais concorridas, é fundamental garantir uma infraestrutura capaz de aguentar mais carga. Outro problema, menos aparente, é a questão da transparência do acto. O eleitor entrega o seu cartão de cidadão (CC), que é colocado numa das máquinas do escrutinador, mas não tem ideia que informação está a ser lida e visualizada por terceiros, o que pode levantar alguma desconfiança a nível da privacidade. Existe ainda uma situação relacionada com a possibilidade de enganos ou fraudes. Dada a natureza centralizada da aplicação e possibilidade da pesquisa directa sem necessidade do CC, permite que qualquer mesa possa descarregar uma pessoa de qualquer ponto do país. Algo que pode criar diversas situações anómalas e provavelmente precisa de ser protegido por um nível extra de autenticação do eleitor.
Apesar destas ressalvas, foi um dia vitorioso para os engenheiros, administradores de sistemas e técnicos que estiveram envolvidos neste processo um pouco por todo o lado.
Do ponto de vista dos resultados, a mobilidade levanta novas questões para os partidos que irão precisar de alguns meses para digerir esta nova dinâmica. Por exemplo, a IL, que foi o único partido a crescer nestas eleições, teve alguns resultados inesperados na Maia. Normalmente o melhor desempenho é conseguido em zonas mais centrais como Moreira e Cidade da Maia, mas nestas eleições mudou drasticamente para a periferia com freguesias como Vila Nova da Telha, S. Pedro Fins e Pedrouços a conseguirem todos acima de 13%!
Outro episódio curioso que ilustra bem o sucesso da mobilidade, foi quando pude convencer familiares a votar num local mais próximo, pois após um domingo difícil, não estavam muito interessados em ir votar no sítio habitual que era mais longe e com estacionamento limitado. Só neste pequeno episódio se percebe a facilidade e comodidade que este sistema pode proporcionar para combater esta parte da abstenção.
Por vezes passamos demasiado tempo a criticar os serviços públicos mas há que ter a humildade de elogiar quando algo corre bem, e esta é uma excelente oportunidade para o fazer. Este é o Estado que precisamos. Não precisamos de uma entidade omnipresente, que tenta condicionar todos os aspetos da vida individual e da economia, mas sim de um Estado eficaz naquilo que lhe compete. Facilitar a vida dos cidadãos e forte na defesa dos pilares da democracia e da liberdade.
Nuno Gomes
Arquitecto de Software
Membro da Iniciativa Liberal Maia