Pouco mais de 10 meses após os atentados ao “Charlie Hebdo” e ao supermercado “Kasher”, e que vitimaram 17 pessoas no passado mês de Janeiro, Paris volta a sofrer um novo massacre terrorista. Agora, 130 mortos, de 19 nacionalidades (entre eles, 2 portugueses) e mais de 300 feridos.
Esta operação, da noite do passado dia 13, foi prontamente reivindicada pelo autodenominado “Estado Islâmico”, grupo de radicais sunitas, que ocupam actualmente quase metade do território da Síria e uma parte do norte do Iraque, e que todos conhecemos pelas suas especiais atrocidades (decapitação de vários reféns…e destruição de monumentos considerados património da humanidade…) que vamos, frequentemente, vendo imagens pela televisão, com uma suposta justificação de retaliação pela participação da França em acções militares contra as suas posições na Síria e no Iraque.
De imediato se ouviram vozes de altos responsáveis políticos, sobre a necessidade de se suspender o Espaço Schengen, que permite a livre circulação de pessoas sem o tradicional controlo das fronteiras em boa parte do espaço europeu…e a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, logo aproveitou para reclamar o fim imediato de qualquer acolhimento de imigrantes em França.
Ora, pelo que tem sido noticiado, todos os terroristas que participaram nos aludidos atentados de Paris, quer os do passado mês de Janeiro, quer os da passada sexta-feira, dia 13, apesar de muçulmanos, são cidadãos europeus, concretamente de nacionalidade francesa e belga, e com residência nestes países… Ou seja, para além de possuírem passaporte de um país membro da União Europeia, estamos perante pessoas que independentemente das suas convicções religiosas ou culturais, convivem há muito com os valores da sociedade europeia, que afirmam o respeito pelos direitos humanos e pela diversidade.
Pelo que, independentemente da necessidade de se reforçar, ainda que circunstancial e temporariamente, os mecanismos de segurança no espaço europeu, a questão que se coloca, é como é que é possível o “Estado Islâmico” conseguir filiar para a sua causa, cidadãos europeus, ainda que muçulmanos, como aqueles que participaram nos aludidos atentados…
Estamos a falar do “Estado Islâmico”, enquanto um grupo de revolucionários ultra-radicais, que procura impor uma versão da Lei Islâmica (que é uma religião de paz…) absolutamente intolerante, que elimina de forma violenta e brutal, todo e qualquer opositor. E que só em 2014 foi responsável por mais de 6000 mortos em ataques terroristas. E de quem a própria Al- Qaeda se distanciou.
Sendo que não temos actualmente na Europa quaisquer conflitos religiosos, seja entre muçulmanos e cristãos, ou entre facções do Islão. Na Europa, apesar da grande comunidade muçulmana residente, particularmente em França, não existe luta entre xiitas e sunitas. Pelo contrário, aqui vive-se há muitos anos num clima de total tolerância e convivência religiosa.
Mas a verdade, por muito que nos custe, é que os atentados de Paris foram mesmo perpetrados por cidadãos europeus, aqui residentes, e não por quaisquer muçulmanos estrangeiros. E não foram em nome e representação de quaisquer convicções religiosas, muito menos legítimas ou respeitáveis. Foram em nome desse tal “Estado Islâmico”, que não sendo mais que um grupo terrorista, sediado na cidade Síria de Raqqa, e que espalha o terror por onde passa, a verdade é que está a conseguir mobilizar cidadãos europeus (maioritariamente jovens) para matar e morrer, de consciência mais ou menos tranquila, em total desvalor e desrespeito para com a vida humana, para com o próximo.
E é bom que se perceba, que este ataque terrorista de Paris não visou apenas atingir a França. Aliás, uma situação similar poderá acontecer num qualquer outro país do espaço europeu…um dia destes. Ainda a semana passada foi cancelado um jogo entre as selecções nacionais de futebol da Alemanha e da Holanda, em virtude de ameaça séria de atentado terrorista em Hannover. E o passado fim-de-semana em Bruxelas, não foi propriamente um fim-de-semana normal, com a polícia e os militares nas ruas, as lojas fechadas e os eventos desportivos cancelados…
É verdade que acontecem atentados terroristas com frequência no Iraque, na Síria, no Afeganistão, no Paquistão, na Nigéria, no Líbano e noutras partes do mundo, a que não devemos nem podemos ficar indiferentes, mas na Europa não estávamos de todo habituados. O respeito pelos direitos humanos, pela vida, a tolerância, o respeito pela diferença, a liberdade e o valor segurança, são realidades que há muito andamos a construir no nosso território depois da II Guerra Mundial, e que nenhum cidadão europeu quer perder. A livre circulação de pessoas e bens dentro do espaço da União Europeia é, como alguém dizia, uma “excentricidade”, mas caracteriza bem a nossa forma de estar e o caminho que pretendemos percorrer. E que não pretendemos abandonar.
Daí que seja importante que a Europa, em nome de todos estes valores, e em concretização dos mesmos, assuma em conjunto, e de forma decidida e concertada, as suas responsabilidades. E sem concessões ao medo e ao pânico que nos querem impor. Caso contrário, os fantasmas da extrema-direita xenófoba e do autoritarismo, para infelicidade de muitos de nós, vão acabar por regressar. E não culpemos os pobres dos refugiados…,com quem também temos obrigações, em nome desses mesmos nossos valores.
Paulo Ramalho
Vereador do Desenvolvimento Económico e das Relações Internacionais da Câmara Municipal da Maia