- O ano de 2022 foi um ano muito difícil para a grande maioria dos portugueses: a inflação superou os 8% e sofreram uma forte “pancada” no seu poder de compra. Mas também as empresas viram a sua vida muito dificultada, com o custo das matérias-primas, da energia e da logística a atingirem valores muito elevados, em muitos casos a duplicarem mesmo…
Em contrapartida, o Estado arrecadou mais receita fiscal, desde logo 12,8% só em IRS relativamente a 2021, mais 59,6% de IRC e mais 18,1% de IVA.
Aliás, segundo o INE, Portugal registou em 2022 a maior carga fiscal de sempre: 36,4% do PIB! Foi um ano “em cheio” para o Governo, mais concretamente para o Ministério das Finanças…
- Todavia, o setor da economia nacional mais flagelado em 2022, não só pela escalada de preços, mas também pela seca severa e extrema a que esteve sujeito grande parte do território do nosso país, foi sem dúvida o setor agrícola. Segundo o INE, o rendimento dos agricultores desceu em 2022 face ao ano anterior 12% e o aumento médio do custo dos fatores de produção foi superior a 36%.
O preço do “gasóleo colorido” era até há poucos meses quase o dobro daquele que era praticado em janeiro de 2021. Os custos com a energia elétrica duplicaram e triplicaram em muitos casos. O preço dos fertilizantes aumentou cerca de 150% durante o último ano. As rações para alimentação animal sofreram um aumento superior a 50%.
Muitos foram os agricultores que se endividaram para sobreviver, mas outros houve que não conseguiram sobreviver sequer. Os apelos e avisos das organizações do setor foram uma constante ao longo do ano.
O próprio PSD foi alertando o Governo de que os apoios disponibilizados aos nossos agricultores eram claramente insuficientes (ainda mais, quando comparados com os dos vizinhos espanhóis…) e estavam a chegar tarde. Fê-lo por diversas vezes durante o ano de 2022, inclusive no âmbito do seu programa de emergência social.
O Governo, que até beneficiava de um excedente de receita fiscal, preferiu não ouvir, deixar o tempo passar…
Mas a verdade é que os factos acabam sempre por impor a sua força, e recentemente o próprio Governo, através da sua Ministra da Agricultura, acabou por admitir que os 105 milhões de euros de apoios extraordinários disponibilizados aos agricultores (cerca de metade provenientes de fundos comunitários) durante o ano de 2022 vieram mesmo a mostrar-se insuficientes, havendo necessidade de “reforçar o apoio este ano”. O que veio a acontecer no final do passado mês de março, ao que parece, já sem grande intervenção da Sra. Ministra da Agricultura, com a celebração do “Pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares”, que prevê um montante global de apoios à produção agrícola na ordem dos 180 milhões de euros para “mitigar o impacto dos custos de produção”. Sendo que desses 180 milhões, 140 milhões são provenientes do Orçamento do Estado e consubstanciam “Auxílios de Estado”, pelo que carecem de autorização da Comissão Europeia.
- A verdade é que os agricultores são, cada vez mais, o elo mais fraco da fileira agroalimentar, com muitas dificuldades em repercutir a totalidade dos seus custos nos preços dos seus produtos. A sua capacidade de negociação, designadamente perante a grande distribuição, é reconhecidamente frágil.
Não foi por acaso que em 2011 foi criada uma “Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Alimentar”, conhecida por “PARCA”, que tem por missão precisamente a promoção da transparência do mercado e o equilíbrio na distribuição de valor entre os diferentes setores da produção, da transformação e da distribuição dos produtos agrícolas e agroalimentares, e que integra no seu seio representantes dos Ministérios da Agricultura e da Economia, das organizações de produtores, das empresas ligadas ao comércio e à distribuição, das industrias do setor agroalimentar, da autoridade da concorrência, da direção geral das atividades económicas e da direção geral do consumidor. “Plataforma” esta, que por razões que não se percebe, mas fundamentalmente imputáveis ao Ministério da Agricultura, que é quem tem a “competência legal” de a convocar, estava completamente parada, tendo reunido apenas uma vez em 2022, quando até tinha a obrigação de reunir pelo menos trimestralmente.
Diversas foram também as vezes em que o PSD denunciou a completa desvalorização da “PARCA” pelo Governo, ela que devia funcionar como uma espécie de plataforma de regulação da cadeia agroalimentar.
Aliás, de forma surpreendente ou não, foi até no âmbito da “PARCA” que o Governo veio a lograr concretizar o acordo que permitiu a celebração do dito “Pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares” com os representantes da produção e da distribuição, quando decidiu pela isenção temporária do IVA a um conjunto de bens alimentares considerados essenciais.
- Em conclusão, tivesse o Governo atacado o problema na origem, disponibilizando os adequados apoios ao setor agrícola no tempo certo, e valorizado a “PARCA” como devia, como o PSD tantas vezes exigiu, seguramente que teríamos, nesta altura, agricultores mais robustos, uma fileira agroalimentar mais transparente, a sociedade civil mais esclarecida e, estamos certos, consumidores a beneficiarem de alimentos a preços mais acessíveis.
Entretanto, estamos neste momento com cerca de 40% do território nacional em seca severa e extrema. Em desespero, muitos agricultores já estão a “vender” os seus animais… Esperemos que desta vez o Governo esteja mais atento e não se deixe ultrapassar pelos factos…
Paulo Ramalho
Deputado do PSD à Assembleia da República.