Encerrar os centros comerciais ao Domingo sim ou não? Esta questão voltou a estar recentemente na ordem do dia após um apelo do Bispo do Porto na última missa pascal, que deu origem a uma petição pública online exigindo uma resposta afirmativa à questão colocada. E que já conta com milhares de assinaturas. Tudo com o intuito de promover e estimular a qualidade de vida familiar, tanto dos que frequentam como dos que trabalham no comércio, no dia tradicionalmente – e legalmente- destinado ao descanso.
Contudo, acreditar que encerrar centros comerciais e supermercados ao Domingo significa mais tempo de lazer passado em família nesse dia é o mesmo que entender que a coincidência de datas de jogos de futebol com processos eleitorais contribui para a abstenção.
Referiu o Bispo do Porto na sua homilia que os países mais ricos e desenvolvidos não abrem supermercados ao Domingo. Ora se gozam dessas características significa desde logo que têm salário mínimo e nível de vida superior ao nosso. E por isso, na realidade não é o encerramento das superfícies comerciais ao Domingo que traz o desenvolvimento a esses países. É o inverso: o alto nível de vida da população é que permite que o comércio se dê ao luxo de fechar num dia tido como de maior fluxo de vendas.
Tal ainda não é possível no nosso país por muito que o Eclesiasta e todos nós o queiramos. E ter atitudes de país rico e desenvolvido não nos torna, infelizmente, um deles. Antes nos afasta ainda mais desse objectivo.
Além disso e em bom abono da verdade, de pouco serve um dia fixo por semana quando, durante todos os outros, os pais quase nenhum tempo de qualidade conseguem passar com os filhos. Embrenhados na rotina diária de acordá-los, leva-los e busca-los às escolas, ou a casa dos avós quando os pais saem dos trabalhos mais tarde; de lhes dar banho, alimentá-los e colocá-los a dormir para no dia seguinte iniciar novo ciclo. Somos um país latino. Acordamos e deitamos mais tarde. Passamos demasiadas horas no trabalho, com prejuízo do tempo útil passado em família. A culpa não é dos Domingos passados a trabalhar. É do estilo de vida e trabalho culturalmente e socialmente enraizado.
Por isso, o que devíamos importar desses países eram cargas horárias diárias de trabalho mais family friendly. Menores, mais flexíveis. E assentes na produtividade mais do que na forma.
No fundo começar pela base: a noção de que trabalhar fora de horas não é sinónimo de eficiência e a produtividade nem sempre é directamente proporcional ao tempo passado a trabalhar.
Era por essa mudança de paradigma laboral que, a meu ver, os sindicatos de trabalhadores deviam batalhar.
Por outro lado não olvidemos que os trabalhadores do comércio também têm dias de folga e descanso semanal obrigatórios. Simplesmente esse dia é, por vezes, diferente do Domingo. Pautar pelo cumprimento na prática desse descanso semanal – e não só no papel – por parte dos Empregadores é mais relevante do que garantir que esse dia seja sempre o domingo. Até porque ao Domingo a remuneração é superior e para muitas pessoas trabalhar Domingos, feriados e em horário nocturno – tudo momentos de lazer e descanso- constitui um aumento substancial no ordenado mensal e consequentemente um aumento no poder de compra das famílias. O que afecta, quer queiramos quer não, a qualidade de vida.
A variação dos horários dos estabelecimentos depende da procura por parte dos consumidores e por isso o caso mudaria de figura quando o grande movimento domingueiro deixasse de se repercutir no consumo efectivo/volume de vendas. E concomitantemente os custos com a abertura de portas e com o pessoal deixassem de compensar.
Ou quando fossemos um país com um nível de vida tão alto que os comerciantes não precisassem de abdicar do tempo de lazer familiar.
E fossemos culturalmente tão evoluídos que deixássemos de ir com a família aos centros comerciais ao Domingo, para passar esse mesmo tempo a conversar uns com os outros e a fazer actividades ao ar livre e não agarrados aos telemóveis e aos computadores.
Por cá os comerciantes ainda precisam das enchentes de Domingo nos shoppings para subsistirem. Já os que os frequentam…nem por isso.
Angelina Lima
A autora escreve segundo a antiga ortografia