À medida que os casos de COVID-19 cresciam em Portugal e no resto da europa, o homem forte da China, Xi Jinping, visitou Wuhan, o epicentro do surto, em 10 de março. O líder de mais de mil milhões de chineses anunciou que no país o vírus estava “basicamente contido” à província de Hubei, cuja capital é Wuhan – vitória!
Nesta cidade, a 22 de janeiro, a vida corria praticamente sem limitações, enquanto decorriam as preparações para o Ano Novo Chinês. Às primeiras horas do dia seguinte e quase sem aviso, as autoridades encerraram todos os transportes públicos. O aeroporto, a estação ferroviária e o metro de Wuhan foram igualmente encerrados e os moradores foram proibidos de deixar a cidade sem permissão. Mesmo assim, mais de 300 mil pessoas conseguiram sair antes que as estradas fossem encerradas, levando consigo o vírus.
A 10 de março, após sete semanas de quarentena rígida que arrasaram a economia local, a cidade que Xi Jinping visitou não era a mesma. Mesmo assim, a agência de notícias chinesa Xinhua anunciou no final de fevereiro o novo livro de Xi Jinping que “contém mais de 100.000 palavras” e conta “a verdade e os fatos da prevenção e controlo efetivos da epidemia”, evidenciando “a visão estratégica e a excelente liderança do Secretário-geral Xi Jinping como líder de um grande poder”, ao contrário por exemplo dos Estados Unidos e da sua resposta fraca.
Mesmo com a propaganda do Partido Comunista Chinês, a vida na superpotência asiática permanece longe do normal. Como em quase tudo nesta pandemia, o resto do mundo analisou e seguiu alguns dos exemplos da China, muitas das vezes demasiado lentamente. Fica agora a oportunidade de conseguirmos usar essa vantagem para preparar o regresso ao antigamente. Retornar à normalidade aparente é um imperativo para a economia global. Segundo dados oficiais, os setores da indústria e de serviços da China caíram em fevereiro como nunca antes, as vendas de carros caíram 80% e as exportações baixaram 17,2% no total em janeiro e fevereiro. A 18 de março, a China estava a funcionar a 71% da produção normal, segundo a Trivium China.
Quando o Estado de Emergência passar e tanto escritórios como lojas começarem a abrir lentamente, o cenário poderá ser irreconhecível. Quem trabalha com atendimento ao público vai evitar o contacto com outras pessoas, as salas de reunião vão continuar fechadas, os motoristas vão olhar desconfiados para os passageiros, quem não tiver uma máscara poderá não poder entrar em certos locais e os almoços e jantares vão passar a ser feitos a uma distância que ofereça alguma tranquilidade. É verdade que todas estas mudanças são suposições, no entanto, será certa a suspeita dirigida aos estrangeiros – aos que veem de fora na nossa zona de conforto. A normalidade vai passar por três perguntas básicas – “De onde vem? Qual é a sua nacionalidade? Onde esteve nas últimas duas semanas? ”
Em toda a China, há funcionários fora dos prédios de escritórios e habitacionais que registram os nomes dos visitantes, informações de contato, números de identificação e histórico de viagens. Em algumas cidades, as pessoas devem-se registar numa aplicação para poder usar os transportes públicos. As cidades classificam os cidadãos com as cores verde, amarelo ou vermelho, dependendo do histórico de viagens e possível contato com pessoas infetadas. Quem se ausentou nas últimas duas semanas pode receber um código amarelo, e o verde é obrigatório para entrar na maioria dos centros comerciais e dos edifícios de escritórios nas grandes cidades. Um código vermelho requer uma quarentena de 14 dias.
Certamente que em Portugal e no resto da Europa não serão usadas medidas tão invasivas da privacidade de cada um no regresso ao novo normal. Apesar disso, terão de ser sempre tanto ou mais eficientes que as tomadas na China. Afinal de contas, pode-se parar um país e uma economia por decreto, mas não se pode avançar e regressar ao normal apenas com a vontade do estado.
João Loureiro