As eleições do passado dia 6 de Outubro legitimaram a vitória de António Costa e do Partido Socialista para liderar os destinos do país nos próximos quatro anos, oferecendo-lhe mais 22 deputados do que nas legislativas de 2015. Mas mesmo assim, não é certo que vá ter vida mais fácil do que aquela que usufruiu durante o último mandato.
O Bloco de Esquerda que manteve os mesmos 19 deputados e a Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV) que perdeu 5 deputados, possuindo agora apenas 12, não parecem dispostos a subscrever um novo acordo escrito que garanta de forma segura a governação de António Costa durante a próxima Legislatura.
Pelos vistos, não vamos ter uma nova “geringonça”. O BE e a CDU não querem desta vez ser vistos pelos portugueses como “cúmplices e muletas” do novo Governo socialista. E bem se compreende, o BE que tem pretensões a crescer e a disputar o espaço político do próprio PS, deixando de ser um mero partido de protesto, para também um dia ser de governação, perdeu nestas eleições, contra as suas expectativas, cerca de 50 000 votos. E a CDU perdeu mesmo deputados em Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Faro, para além de cerca de 113 000 votos, com uma boa parte a fugir para os socialistas.
Por outro lado, desta feita, o BE e a CDU não têm um objectivo comum, que consiga juntar as vontades de Catarina Martins e Jerónimo Sousa, e que beneficiou claramente o PS e António Costa em 2015: impedir a todo o custo que o então vencedor das eleições, Passos Coelho, pudesse continuar a liderar os destinos do país.
O Partido Socialista precisava de 116 deputados para a maioria absoluta, alcançou apenas 108, pelo que mesmo que agora conseguisse mobilizar o apoio dos 4 deputados do PAN e do único deputado do Livre não conseguiria ficar a salvo de qualquer sobressalto.
Daí que nos momentos “difíceis”, António Costa e o seu Governo vão estar sempre dependentes da vontade do BE ou da CDU, que em relação ao mandato anterior, desonerados agora de compromissos com o PS, vão passar a gozar de maior liberdade de actuação no Parlamento (e não só…), o que aparentemente lhes dará, ainda que circunstancialmente, um maior peso negocial. E reconheçamos, em situações limite, mesmo até o poder de decidir sobre o tempo de vida do próprio Governo.
Ou seja, mesmo com uma larga maioria de deputados de “esquerda” na Assembleia da República, que num total de 230, somam agora 144 deputados, não se afigura um mandato fácil para este “renovado” Governo socialista, que vai até previsivelmente enfrentar uma conjuntura económica internacional menos fulgurante e vai precisar de consensos alargados para reformas que não pode continuar a adiar.
É evidente que temos outras forças políticas no Parlamento. O PSD que perdeu 10 deputados, e conta agora com 79, o CDS/PP que perdeu 13 deputados e conta nesta altura com apenas 5 e o Chega e o Iniciativa Liberal, que pela primeira vez elegeram 1 deputado cada um.
Mas, sinceramente, não me parece que António Costa vá ter vida fácil com estes partidos mais à direita dos socialistas. Desde logo com o Chega, que nas fronteiras da extrema-direita, já se auto-excluiu. O Iniciativa Liberal tem obviamente a ambição de percorrer um caminho autónomo e independente que lhe permita crescer. O CDS-PP perdeu mais de 2/3 do seu grupo parlamentar, bem como a própria líder Assunção Cristas, que perante tal terramoto, se viu mesmo obrigada a apresentar a demissão na noite eleitoral. Sendo expectável que o CDS-PP vá tentar aproveitar esta legislatura para uma espécie de refundação ideológica, no sentido de reencontrar um espaço na sociedade que aparentemente lhe fugiu.
Restam os sociais-democratas, o PSD de Rui Rio, que apesar de ter perdido as eleições para o PS de António Costa, acabou por alcançar um resultado bem melhor do que muitos esperavam. Em Agosto foram publicadas sondagens que davam o PSD com pouco mais de 20% das intenções de voto e o PS a caminho da maioria absoluta, com cerca de 43% das mesmas intenções. Ora, no dia da verdade, 6 de Outubro, nem António Costa conseguiu a ambicionada maioria absoluta, como os sociais-democratas ficaram apenas a 8,5% dos socialistas.
Daí que apesar do PSD ter menos 29 deputados na Assembleia da República do que o PS, a realidade é que os sociais-democratas têm sozinhos mais 36 deputados que os restantes partidos da Oposição, que no seu conjunto somam apenas 43 deputados, o que tudo confere ao PSD especiais responsabilidades enquanto destacado líder da Oposição. Mas também, obviamente, enquanto partido com legítimas ambições a poder afirmar uma verdadeira alternativa de Governo desde já, a partir da sua acção no Parlamento, para as próximas eleições legislativas, que podem ser daqui a quatro anos ou não…
E apesar de estar plenamente convencido que o PSD liderado por Rui Rio não vai fazer oposição por oposição, e vai estar disponível para um diálogo construtivo com o Governo sempre que o superior interesse do País o exigir, como de resto o próprio já o referiu por diversas vezes, não é por acaso que o mesmo Rui Rio vai assumir a liderança da bancada parlamentar dos sociais-democratas já neste início de Legislatura. Rui Rio vai querer mesmo comandar a Oposição.
Sendo que todos nos lembramos bem, que foi a partir dos debates com António Costa durante a campanha eleitoral, que Rui Rio e o PSD começaram a inverter a tendência das sondagens e a subir nas intenções de voto.
Daí que seja com natural expectativa que se aguardam os debates na Assembleia da República entre o líder do Governo, António Costa e o líder da Oposição, Rui Rio, olhos nos olhos, como se costuma dizer…
Todos reconhecemos enorme habilidade a António Costa, mas pelas primeiras percepções, não me parece mesmo que vá ter vida fácil neste mandato. Talvez também não seja por acaso que António Costa acabou de construir um dos maiores Governos de sempre, com 70 governantes: 1 Primeiro-ministro, 19 Ministros e 50 Secretários de Estado!…
Paulo Ramalho