Viver em Angola não é fácil.
É um país de fortes desigualdades – sociais, económicas e de oportunidades – ao qual se aplica na perfeição a expressão “uns com tanto e outros com tão pouco”. O salário mínimo nacional ronda os 21mil Kwanzas – cerca de 53 euros. O salário médio é um pouco superior – cerca de 150 euros. E esses valores não são de todo suficientes para o custo de vida, principalmente se estivermos na capital.
Muitos fazem uma refeição por dia, ou abdicam mesmo da sua quota- parte em benefício dos (numerosos) filhos e (várias) mulheres. Andam descalços, não têm acesso a bens tão básicos como água potável e saneamento, vivem em musseques construídos com chapa metálica, rodeados de poluição, muitos não estudam, mas têm sempre um sorriso no rosto.
É impressionante!
Faz-nos corar de vergonha dos problemas de primeiro mundo que nos tiram o sono. Ser expatriado em Luanda, principalmente vindo do mundo ocidental é por isso um choque civilizacional. Tanto pela mudança de clima e de cultura, como pelos cuidados com a alimentação e pela insegurança nas ruas. Lembro-me da sensação que tive quando visitei a cidade de Benguela, pouco depois de chegar a Angola e pude pela primeira vez caminhar nas ruas. Simplesmente caminhar. Percorri as belas avenidas de Benguela durante horas. Senti-me renovada. Uma actividade que damos por adquirida e que em três meses antes em Luanda foi (quase) impossível.
A capital é movimentada, cada vez mais moderna, começa a apostar fortemente no turismo, mas e principalmente, para os expatriados portugueses, é uma cidade por vezes quase inimiga. A herança colonial ainda está muito enraizada nas mentalidades dos angolanos. Sentes o racismo na pele. Literalmente. Tanto causado por uma certa atitude colonialista que ainda subsiste de alguns portugueses perante os angolanos, sem dúvida, mas também pelo grande complexo de inferioridade destes. São tão dependentes do investimento e do português e simultaneamente tão ávidos de autonomia.
Por outro lado os angolanos sabem que os expatriados são em regra bem remunerados, com salários directamente proporcionais aos quilómetros de distância do país de origem, por isso, desde tenra idade, começam a olhá-los como fonte de negócio, inflacionando preços, perseguindo, tentando vender tudo que se possa imaginar e mendigando de forma quase violenta.
Ainda assim, fazer compras em Luanda para um expatriado, seja no supermercado ou no shopping, exige uma mudança de paradigma: evitar fazer a conversão da moeda para euros ou dólares, caso contrário torna-se proibitivo em virtude da abismal diferença de preços.
Então os alimentos gourmet e biológicos ou não existem ou quando existem esgotam rapidamente. Alguns produtos mesmo fechados já foram adulterados em armazém.
Sem esquecer de como te sentes quando vês famílias numerosas a discutir se levam um ou dois pacotes de arroz, enquanto enches o teu carrinho com leite sem lactose, antes que esgote.
Luanda foi durante muito tempo a cidade mais cara do Mundo para expatriados – actualmente é Hong Kong. O custo de vida é elevadíssimo. Por isso muitos aceitam vir trabalhar para Angola mediante o fornecimento de alojamento, viatura, subsídio de alimentação e, por vezes, a receber o salário no país de origem, devido às dificuldades de saída de moeda e transferências bancárias que podem demorar por vezes cinco meses. E destes, muitos, na realidade, já não regressam à terra natal.
Angola também é isso. Exerce um fascínio em quem a visita. Provavelmente maior nos que estão apenas de passagem, mas que também atinge os que aqui estão de forma mais permanente. Tem um trânsito caótico – de Talatona a sul da capital ao centro chega-se a demorar duas horas – formam-se três ou quatro faixas de automóveis em duas vias, as estradas têm buracos que parecem causados por meteoros, algumas ainda se encontram em terra batida.
Tem uma burocracia antiquada; um atraso civilizacional que não se coaduna com a riqueza do solo; um machismo desactualizado; uns serviços públicos hilariantes; uma justiça cara, nada célere e ainda excessivamente corrompida; uma moeda em desvalorização progressiva; um clima político instável, uma insegurança real. E ainda assim provoca um fascínio inexplicável que nem o clima e as noites animadas ao fim de semana conseguem explicar. Talvez seja daquele pôr-do-sol africano. Daquelas estradas sem fim com terrenos áridos a ladear – e como podiam cultivar de tudo aqui. Ou das praias, da fruta tropical ou vida selvagem.
Possivelmente pela entreajuda dentro da comunidade portuguesa em Angola que, apesar do franco decréscimo, ainda é das maiores no mundo. Ou pela forma como os angolanos levam a vida a dançar.
Viver em Luanda para um português é assim deixar de dar como adquiridos certos hábitos do Mundo ocidental. Aprender a conviver com as saudades e com os mosquitos, que nos atingem de forma igual. Pensar duas vezes antes de comer alimentos crus, ou ter uma janela do carro aberta. Mas também deixares-te contagiar pela música quente, pelas danças e sorriso de uma criança a correr: sem tablet, sem brinquedos, sem roupa de marca, por vezes sem sapatos.
Sempre com a garantia que, por mais entraves, batalhas e medos que num dia possas enfrentar, vais olhar para o pôr- do- sol às 17h30 e vais agradecer.
Angelina Lima
(A autora escreve segundo a antiga ortografia)